Ser liberal é uma atitude revolucionária num país que escolheu acreditar nas coisas erradas, diz William Waack para teorizar sobre a ruptura da grande imprensa com a sociedade, os equívocos da direita bolsonarista, oportunidades e dificuldades de se implantar postulados liberais em meio ao lixo ideológico em que esquerda e direita se parecem.
Ele deu excelente entrevista de 30 minutos ao canal Democracia na Teia, do filósofo Luiz Felipe Pondé, que vai na íntegra ao pé deste artigo.
Atitude revolucionária no sentido de desafiar o senso comum, que, segundo diz, “no Brasil é autoritário, patrimonialista, boçal, em que não há apego a valores ou princípios, mas apenas a chavões”.
Espírito de uma época que preferiu acreditar no certinho, no conveniente, no político correto, e não nos postulados que têm como centro o indivíduo, suas liberdades e suas responsabilidades.
Ele vê no fator Bolsonaro uma onda espetacular, a grande oportunidade de uma destruição disruptiva para abrir horizontes e se caminhar para uma sociedade de postulados liberais que tenha como centro o indivíduo, suas liberdades e suas responsabilidades.
Não o que chamam atualmente de direita no debate político, que está mais “ligada à eloquência, ao primitivismo, ao radicalismo de gente que fala superficialmente a respeito de coisas por serem anti esquerda ou entendem como de esquerda”.
— Direita e esquerda são espelhos uma da outra. Sinal de que invertemos os sinais está no que postula a franja ideológica que cerca o presidente. O autoritarismo é o mesmo, a burrice é a mesma, a boçalidade é a mesma.
Ainda que se tire esse lixo ideológico, a questão é mais funda, porém. E tem a ver com o que ele chama de espírito da época, de “um país que preferiu acreditar nas coisas erradas”.
Pondé pergunta se a imprensa seria petista, como diz Bolsonaro, e ele responde que a coisa é mais complexa:
— Um arcabouço de algo que se vem se percebendo há tempo, o espírito da época, o zeitgeist. Muitos pensam com esse submarxismo rastaquera das instituições educacionais brasileiras sem nem perceber que fazem parte dela.
Ela teria responsabilidade, sim, na medida em que rompeu com a sociedade e seus valores. A sociedade não se vê mais representada no jornalismo.
— Certa parte do público não a encara mais como instância a que ela pode recorrer quando quer verificar a veracidade objetiva dos fatos. Ao contrário. Se foi publicado ali, é porque obedece a uma agenda de certa forma embutida.
Pondé emenda que isso acontece também nas novelas, onde há também doutrinação, e ele cita o caso emblemático das entrevistas com os candidatos a presidente, na última campanha eleitoral, em que entrevistador e entrevistados pareciam estar em países distintos.
Quebrou a confiança, ele diz, para falar do esgarçamento do sistema político e da democracia.
— A gente nota que os países que estão com uma crise mais aguda de credibilidade da imprensa são os que têm mais problema no sistema político. Sobra ainda alguma confiança nos países do norte da Europa, na Espanha e na Itália ainda têm uma relação equilibrada. Mas, no Brasil, quebrou.
A conversa deriva para a inevitável questão das redes sociais, que ao contrário do que se esperava, só piorou as coisas:
— Quando as redes sociais surgiram, os fetichistas da tecnologia achavam que o mundo seria melhor. Acreditava-se que a reformulação da comunicação iria levar o sujeito a buscar informação para sua formação. Ao contrário. Temos agora um pensamento tribal onde a pessoa só circula no ambiente em que se sente confortável, para onde leva seus preconceitos, e é totalmente refratária à divergência.
Sim, é o empoderamento dos imbecis na expressão famosa de Umberto Eco. E ficou mais difícil para o jornalismo pular essa cerca do mundo tribal.
— A desinformação trafega com velocidade monstruosa. E quando os guardiães da informação perdem essa função, vem essa lama na qual estamos jogados hoje.
A saída é ler os clássicos, como teoriza em outra excelente parte da entrevista e traduz o tamanho de sua formação.
Eu tinha alto preconceito com William Waack, por duas razões, uma conjuntural e outra estrutural, digamos.
A primeira pela campanha sórdida que de que foi vítima quanto caiu na desgraça de ser apanhado num comentário em off que pode ser caracterizado como racismo. A segunda, por ser ser homem de TV, o profissional que sempre vi como alguém que sacrifica o texto, a formação intelectual e a profundidade do espírito em favor da imagem.
Ele mesmo diz uma grande frase nessa entrevista sobre a degradação do jornalismo de TV, com muita gente despreparada na ponta comandada por burocratas dentro do estúdio refrigerado, longe da notícia:
— É a aliança espúria entre os que escrevem e não aparecerem com os que aparecem e não escrevem.
Pois ele destruiu de vez todos eles nessa entrevista e me passou a impressão de que ter sido demitido da Globo, como bolo de cereja da covardia que lhe foi perpetrada, lhe fez muito bem.
Reassume a carreira de pensador de peso e interlocutor indispensável que tem mais contribuir com o país do que ficar sentado na bancada no jornal orientando focas que também fizeram escolhas erradas.
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