É bem óbvio, que eu não havia percebido, que o tão criticado destempero de Ciro Gomes também agrada e é em parte responsável pelo seu sucesso.
Uma pesquisa qualitativa do DataFolha com eleitores do candidato, de diferentes faixas etárias e níveis sócio-econômicos, comprovou que a maioria dos seus eleitores gosta do seu jeito, exatamente por isso.
— A maioria [dos políticos] tem aquele jeito de falar contido, um lorde britânico — resumiu bem o universitário André Suzart, de 24 anos. — Ele falando da maneira dele traz uma autenticidade, e o momento talvez peça um pouco algo diferente.
Marcelo Marques, pesquisador da FGV, emendou:
— Com a política em si tão banalizada, tão desautorizada, uma postura de liderança que se ponha como potente, que sabe o que está falando, virou ativo eleitoral.
Uma linguista, uma professora e uma estudante entraram então num debate sem divergências para defendê-lo e desqualificar as críticas, com expressões como:
— A mídia maximiza três estereótipos errados dele, de que é estourado, machista e coronel. Isso é preconceito contra nordestinos. Não sei se os jornalistas percebem isso, é patético.
— É frustrante o tanto de espaço que é dedicado aos “arroubos” de Ciro. “O cara foi governador, foi ministro, foi prefeito, e aí gastam 15 minutos falando sobre palavrão que ele disse.
— Ele vai decepcionar se tentar se passar pelo que não é, se for enlatado como um produto de marketing.
Ciro parece inferir disso, ao prometer se conter mas nem tanto.
Nesta semana, chamou um vereador negro de São Paulo de “capitãozinho do mato” por ser contra certas pautas do movimento negro. Gratuito, fora do contexto, só para demarcar sua diferença em relação ao DEM, que lhe ofereceu apoio.
Sugere seguir seu faro eleitoral de escolher o adversário — não gastar vela com defunto ruim, para usar uma expressão que poderia ser sua — e navegar na onda da preguiça descomunal da sociedade com políticos ensaboados e sem lado.
— As pessoas estão percebendo que um dos elementos fracos da política é o moralismo de goela — disse recentemente —. Nunca tive tanta audiência nessa vida.
Pesquisa semelhante do mesmo instituto, com os eleitores de Jair Bolsonaro escolhidos sob índices demográficos e reunidos em sala fechada até esgotar o assunto, e matéria de O Globo sobre o perfil do eleitorado do capitão sem papas na língua, chegaram a resultados parecidos.
— Tudo o que ele fala ou faz se torna polêmico.
— Querem que a população interprete de outra forma, mas ele é autêntico, é aquilo ali, não precisa fazer média.
— Enquanto jornalistas e intelectuais estão preocupados com banheiro unissex, ele está falando dos 60 mil assassinatos que acontecem todo ano no Brasil, falando desse massacre da classe trabalhadora.
A questão é que características especiais, para não dizer polêmicas, tendem a conquistar um nicho e parar nele. Na maioria da população, tendem a provocar um estranhamento que está longe de preconceito e mais perto de medo e insegurança.
Há bom material de marketing ensinando que o medo estimulado com critério na população — de perder o emprego, de perder a casa, de ser assaltado — puxa voto. Não se pode dizer o mesmo de um medo provocado sem controle.
“O que podemos esperar de um sujeito instável desse”, costuma pensar a maioria.
Vai depender da competência dos dois de domar os excessos e oferecer resultados que o eleitor contraponham na balança.
É certo também que, quando a promessa de bons resultados é factível, sempre se acha que um brucutu pode ser ser domado pelas circunstâncias, pelas novas responsabilidades do cargo e pelos contrapesos do sistema democrático.
A experiência com Trump que o diga.
E qual a cota de brancos?
Pensando bem, a cota de apenas um jogador branco, o goleiro, numa seleção de negros e pardos, não deveria também ser objeto de protestos raivosos dos militantes das cotas raciais?
O problema foi levantado por um amigo que leu meu artigo sobre o massacre nas redes antissociais contra a escolha da cantora Fabiana Cozza para interpretar a sambista negra Ivone Lara, sendo morena.
>> Este: Qual a cota ideal de negros, gays e anões em novelas?
A tese era a de que, a continuar essa intolerância, os autores teriam que acabar distribuindo o elenco segundo critérios do IBGE, que apurou no último censo população de cerca de 48% de pardos, 44% de brancos e 8% de negros, mais de mulheres que de homens.
Seria curioso imaginar como seria uma série que se passasse só dentro de uma senzala ou só dentro de um condomínio de luxo na zona sul. Como colocar a mesma proporção de brancos no primeiro e de negros no segundo?
Deve ser o mesmo problema de uma seleção que precisa escolher jogadores, como atores, pela competência e adaptabilidade e não pela cor.
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