O jogo recorrente de referências entre o novo e o velho, os métodos antigos de espionagem e o admirável mundo novo da alta tecnologia, é o mais encantador no novo James Bond. Mais talvez do que a atuação visceral de Javier Bardem como um vilão ambíguo, a mão leve de um diretor que nunca fez filme de ação e a beleza arrebatadora da atriz francesa Bérenice Marlohe como bondgirl.
Não à toa Q, aquele velho de jaleco que construía as engenhocas eletrônicas do agente secreto, foi substituído por um nerd descabelado que lhe dá um arma com chip e diz mais ou menos que “não mexemos mais com aquele negócio de canetas explosivas”.
James Bond está alquebrado, meio fora de forma, e o chefe de sua chefe M, quer aposentar ambos, por os entender velhos para a nova ordem de terrorismo eletrônico. No caso, um cyberterrorista capaz de invadir qualquer sistema e fazer estragos fenomenais com um click.
O ponto alto é a volta a uma velha mansão da infância do agente secreto, para onde ele atrai o terrorista cibernético valendo-se de um velho empregado e um rifle que pertencera a seu pai. Para quem ainda usa navalha, numa cena sensualíssima, faz todo o sentido.
Acrescenta que o vilão tem um viés homossexual e parece, a certa altura, querer mais transar com – do que matar o – seu rival. Para quem desde os anos 60 vem traçando todas as mulheres bonitas que passam perto de seu Aston Martin e de sua pistola, com o perdão do mau gosto, soa com um bom sinal dos tempos.
Os críticos estão dizendo que se trata do melhor dos 23 filmes do agente, que veio ao mundo sob o charme irresistível de Sean Connery, há 50 anos. Parece mesmo, dada a prevalência da trama, do jogo político e dos bons diálogos sobre o malabarismo dos anteriores. Mas não parece certo que Daniel Craig esteja se transformando no Bond definitivo, como já apregoaram Rubens Ewald Filho e Isabela Boscov, de Veja.
Para a retomada do estilo cerebral que fez a fama do primeiro Bond que a gente nunca esquece, faria mais sentido um sujeito comum, menos duro, musculoso e violento. A própria Isabela já havia dito que ele vinha mais letal e menos cérebro em Casino Royale, de 2006, sua estreia na franquia.
Um Kevin Spacey, digamos, para lembrar de Beleza Americana, o grande sucesso do diretor Sam Mendes, uma curiosa escolha para dirigir um filme de ação. O fato de ter obtido seu Oscar por dirigir a história de um sujeito fora de forma, que reavalia seu casamento e sua vidinha besta depois que se interessa pela coleguinha da filha, parece fazer todo sentudo nesse filme em que a decadência do agente mais charmoso da história parece estar em questão.
Deixe um comentário