Uma das grandes protagonistas do mensalão, de quem se ouvirá falar muito nos próximos dias, a revista Veja chega às vésperas do julgamento do século comemorando a marca de 1 milhão de seguidores de sua página no Facebook, a maior entre suas similares no mundo.
A notícia vem na mesma semana em que os donos dos principais jornais do país saudaram o crescimento de seus negócios, por ocasião do lançamento do novo projeto gráfico de O Globo. E na mesma em que a revista Época publicou uma boa entrevista sobre o livro de Eli Pariser, O Filtro Invisível , sobre a tese de que a personalização de pesquisas e contatos no Google e no Facebook está criando bolhas de alienação. O que desmontaria a internet como o tão propalado espaço da liberdade e da divergência.
Ponto para os jornais e revistas de notícias, agora convencidos de que sua morte como tradutores e intérpretes do mundo não será assim tão fácil. Também acho, mas falta decidirem o que fazer com seus impressos.
O sucesso de Veja na rede, onde oferece o melhor de sua capacidade de selecionar, hierarquizar e contextualizar, não mascara a crise de credibilidade por que passa sua versão impressa, atestada em qualquer roda convencional de conversa ou nos visíveis encalhes em banca. A principal acusação é a de ter se transformado numa cartilha de direita, num empenho pela condenação do petismo que em determinados momentos beirou a militância. Mas acho que a coisa é mais simples.
Leio a revista desde que me entendo por gente. Em quase três décadas, ela me supriu bem a necessidade de uma panorâmica do que vai pelo mundo. Nem que seja uma folheada no domingo para me aliviar da culpa de não ter, por neurose ou obrigação profissional, lido os jornais da semana. Acompanhei o mundo, de Figueiredo a Dilma, de Reagan a Obama, da Challenger ao bóson Higgs, junto de todas as suas mudanças estéticas e de conteúdo. Se alguém pode ser acusado de dependência grave a esse respeito, com todos os rótulos bons ou ruins que isso implica, sou eu.
Daí que me interessa menos suas posições ideológicas, porque o tempo e ela mesmo me ensinaram a selecionar e julgar. Mas, sim, o fato de que tenha ficado mesmo é muito ruim. O advento da internet, que pegou no contrapé todos os grandes veículos impressos, parece ter avariado o seu sentido de prioridade.
Num certo tipo de esquizofrenia, concilia análises profundas em suas resenhas com as notinhas de fuxico mais rastaqueras, textos longos e brilhantes com outros – em geral nas páginas de política – rasos e preconceituosos, além de notas e frases entre o preconceito e o irrelevante. Parece não saber se quer ser Bravo ou o pior tipo de Caras.
Isabela Boscov, sua genial resenhista de Cinema, é capaz de sacadas até líricas como quando compara a nova trilogia Batman com a de O Poderoso Chefão nos anos 70 (“uma representação ressoante como nenhuma outra do cabo de guerra entre a circunstância e o arbítrio). Mas sua seção de frases é capaz de ocupar meia página com uma caricatura de Jim Carrey, explicando que utilizava sardinhas nos bolsos para atrair pinguins.
Em seus bons tempos, mesmo as frases e notas curtas buscavam algo relevante, inédito, perene, indicador de tendências. Seus obituários, antes grandes oportunidades de ensaios, se transformaram em notas sumárias de tamanho, julgamento e critérios discutíveis. Entre maldades gratuitas e fora de contexto, já legendou uma frase de Luís Fernando Veríssimo como “humorista oficial do petismo”.
Nesse quadro, já nem é o caso de se discutir se se trata de militância ou sectarismo, mas de simplificação grosseira.
O principal equivoco, porém, é a opção por ser ampla no site e rasa no impresso. Ora, ainda não se provou que seja mais confortável ler textos longos em tela luminosa, sentado na vertical, do que em peças que se possa carregar, folhear e emprestar. Os veículos mais bem sucedidos na transição para a internet, até agora, foram os que souberam dar de graça uma boa dose do noticiário factual enriquecido de infográficos, remetendo-se aos textos mais aprofundados do impresso.
Pode ser que os tablets ainda venham a virar esse jogo, mas a transferência das edições impressas para a eletrônica não elimina a necessidade de textos reflexivos a serem lidos bem sentados, num lugar fresco e bem iluminado, preferencialmente num domingo. As revistas que não querem ser Caras devem pretender o que são os livros que se pode carregar, emprestar ou ler nessas condições.
Pode ser que eu não seja mais o leitor ideal da revista, os que procuram um canto para o resumo da semana. E esteja apostando na era da curtição fácil que também se esvai no clique. Mas não é assim que ela e seus colegas se candidatarão a intérpretes do mundo.
PS: A capa que que ilustra o post, antes de desrespeitosa ou ideológica, tem mais a ver com a queda de qualidade editorial da revista.
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