Conheça a técnica do tópico frasal para costurar um parágrafo ao outro e escrever uma redação leve que parece saltar da página.
Você certamente gostaria de receber o elogio que cultivo como um mantra a cada vez que começo qualquer texto.
— Seu texto parece que descola do papel — me disse um grande amigo, escritor, crítico e revisor.
Ele havia devorado como se fizesse leitura diagonal um ensaio meu de algumas páginas.
Foi um elogio melhor do aquele corriqueiro que me parece estar no topo das pretensões de todo escritor que quer ser lido:
— Li seu livro numa sentada.
Foi, é e sempre será minha meta. Fazer com que o leitor não se despregue fácil do meu texto, pequeno ou do tamanho de um livro.
Gastei tempo e energia para entender a técnica por trás daquela fluência, que me parecia intuitiva.
Que acabou sendo útil em todo o meu aprendizado e será no seu de aprender a esvaecer uma redação redação leve.
Não percebia em que ponto eu a havia aprendido e incorporado. Como acontece com todo mundo.
Até que me lembrei do meu primeiro professor de redação na faculdade de letras (de saudosa memória), que deu nome a ela e me fez treiná-la exaustivamente.
É o “tópico frasal”, que abre o parágrafo.
Assim como o primeiro parágrafo deve anunciar o que vai dizer o texto, o tópico frasal deve anunciar o parágrafo.
Numa sofisticação, o fechará.
É a frase que anuncia o que vai se dizer no parágrafo e, tanto quanto possível, a que vai fechá-lo anunciando o próximo.
Ou por outra: você anuncia o que vai dizer no parágrafo, diz e abre outra frase praticamente anunciando o próximo. Que também terá outro tópico frasal que anunciará o que será dito e será dito antes de outro. E daí por diante.
Como nos blocos de capítulos de novela, em que se anuncia que alguma coisa vai acontecer. Alguma coisa acontece e abre um gancho para deixar um suspense para o próximo bloco, após o intervalo comercial.
Como em tudo que já defendi aqui, tudo em três — a justa medida das coisas.
Um parágrafo de três frases é perfeito e é largamente usado pela maioria dos grandes textos de jornal, apesar das novas urgências da internet, que explicarei mais à frente.
>>> Veja no artigo Uma fórmula simples para estruturar o melhor texto para contar sua história
Com essa técnica, além de perfeita, você fará a redação leve e envolvente que faz a diferença entre os médios e os grandes escritores.
Exemplos de parágrafos
Serve para todo tipo de texto, mas vejamos esse meu exemplo:
A proposta de isolamento vertical para combate ao coronavírus não tem embasamento em nenhum estudo ou experiência conhecidos. Cientistas ou governos ainda não testaram o modelo que restringe o isolamento a grupos de risco. Por vários argumentos contrários.
Os médicos acham arriscado flexibilizar o isolamento num momento de pico da doença no mundo todo. Entendem que ampliaria o número de infectados assintomáticos que contaminariam os mais vulneráveis. Sem contar o impacto do movimento no sistema de saúde.
Eles temem o peso de novas doenças e acidentes de carro, de trabalho ou de diversão, decorrente do movimento nas cidades. Iria sobrecarregar um sistema que precisa estar desafogado para responder às demandas da pandemia. Para o qual não foi preparado.
Falta quase tudo para se atender a pressões em massa por atendimento. Tanto a rede pública quanto a privada operaram desde que existem com uma estimativa de 3 internações por mil habitantes. Com uma capacidade instalada muito aquém de tamanha urgência.
Os hospitais não têm suficientes pessoal, leitos, respiradores e equipamentos básicos de proteção. Já limitados em tempos de normalidade, tais insumos passam a ser um luxo num momento de impacto coo esse. Porque o investimento neles nunca foi prioridade de governos e empresários.
Não por acaso, são eles, governos e empresários, que continuam ignorando a dimensão do problema. Num primeiro momento, a grande maioria foi contra o isolamento total e advogou a flexibilização vertical em nome dos interesses econômicos. Ainda temem uma piora do quadro, mas acham que o isolamento vertical é possível e desejável.
Seus argumentos é que um queda de 6% do PIB acarretará….
Veja que a primeira frase anuncia o que vai dizer o parágrafo e sua última frase antecipa o que vai dizer o segundo.
“…Por vários argumentos contrários.
os médicos acham arriscado flexibilizar…”
“…Sem contar o impacto do movimento no sistema de saúde.
Eles temem o peso de novas doenças e acidentes de carro…
E por aí vai.
Quando se vai contar uma história com diálogos, é mais fácil. Uma descrição puxa uma fala, que puxa outra descrição, que emenda outra fala…
Aprendi com Fernando Sabino. O primeiro impacto a respeito foi no livro que me introduziu e à minha geração na obra dele: O Encontro Marcado.
As aventuras etílico literárias de quatro adolescentes bêbados de transcendência pelas ruas da Belo Horizonte dos anos 40, que Tristão de Athayde chamou de “drama de uma geração”, deslizam no papel.
Muito antes da internet, em frases e falas curtas, costuradas uma nas outras puxando outras. Sem deixar, quando preciso, se estender por divagações longas, ainda que de frases curtas.
A varanda. De noite, o pai e a mãe, sentados nas cadeiras de
vime, depois de jantar, conversando. Que conversavam? Eduardo chegava, mudavam de assunto. Um dia se esgueirou de mansinho até bem perto, para ouvir. Conversavam sobre ele, Eduardo! Então já era assunto de gente grande.
— Também não é tanto assim — dizia seu Marciano.
— Não sei — dizia dona Estefânia: — Às vezes fico pensando em levá-lo a um médico.
— Por quê? O menino não é doente nem nada.
— Muito nervoso. Fico impressionada.
— Luxos.
Luxos? Eduardo não via luxo nenhum. Era uma coisa dentro de casa, como outra qualquer: menino acaba tendo de ir para a cama, galinha acaba sendo comida no almoço.
— Rabatacha niquenique babarucha! — saltou ele, caindo no colo do pai.
Ambos se assustaram:
— Que é isso, menino? Coisa feia, escutando conversa dos outros.
Não faça mais isso.
— Babarucha! — repetiu.
— Que bobagem é essa?
— É turco.
— Quem te ensinou?
— Miguel, lá no Grupo. Quer dizer nome feio.
E riu. Os pais riram também. Qual, não havia jeito. Filho único
era assim mesmo.
Você pode estar pensando que a técnica não é aplicável diante das novas práticas da internet, de frases e ideias isoladas por parágrafo.
Já escrevi que resisto a elas, porque não concebo dividir a mesma ideia em duas linhas. Não acho que seja possível anunciar e exemplificar uma ideia em apenas uma linha e nem dividi-la em dois parágrafos.
>>> E leia no meu artigo Redação perfeita acaba como termina e tem um retrospecto
Mas é perfeitamente possível. É só você raciocinar em três, como faço em tudo na vida. Anuncie na primeira linha, emende e explique na segunda, confirme e abra um gancho para outras três.
Você pode utilizar a mesma estratégia em linhas separadas por parágrafo.
E, cá pra nós, comece a reconsiderar a ideia de que textos atraentes, para os padrões de hoje, precisam ter só uma linha por parágrafo. Não é verdade.
Passe os olhos pelos artigos de colunistas de jornais, que escrevem nos padrões mais tradicionais da escrita. A maioria dos parágrafos tem três frases. Quando duas, você verá que a segunda poderia ter sido quebrada em três.
Veja esses três exemplos perfeitos, colhidos por acaso no noticiário sobre a pandemia:
Entre a última semana de março e os primeiros dias de abril, a diminuição no isolamento da população foi o padrão para todas as capitais brasileiras. Mesmo em casos onde a variação foi pequena, houve algum aumento na circulação de pessoas. Nenhuma capital viu suas ruas ficarem mais vazias durante a semana passada.
De O Estado de S. Paulo
Pouco mais de três meses após as primeiras notícias sobre o Sars-CoV-2, a imagem do vírus com sua “coroa de espinhos” — responsável pelo nome de coronavírus — é familiar. Essa geometria complexa é parte importante da interação do vírus com nossas membranas celulares no momento da infecção. Compreendê-la pode ajudar no combate à Covid-19 e a outras doenças.
De Marianna Pezzo, no mesmo Estadão.
Faz menos de duas semanas desde que a Nova Zelândia impôs um confinamento rigoroso por causa da pandemia de coronavírus. Nadar na praia e caçar em áreas arborizadas foram atividades proibidas, porque não são atividades essenciais. Os cidadãos foram instruídos a não fazer nada que possa desviar os recursos dos serviços de emergência.
Anna Fifield, The Washington Post
O raciocínio fica mais lógico e concatenado. Sem perder a atratividade. Pelo contrário.
Uma regra vital é que sejam curtos. Tanto frases quanto parágrafos. Essa é universal.
Às vezes, não uso. Mas com o tempo e autoridade, você pode tudo. Poderá tudo.
Viu que os últimos três, mesmo curtos, tiveram três?
Veja também o vídeo:
Deixe um comentário