Michel Temer era a solução que virou um problema, uma versão do “pato manco” americano, que explico mais abaixo. Quanto mais se mexe para se manter no poder, mais caro tem que pagar em sacrifício de reformas essenciais para aquietar uma base cada vez mais voraz.
Tinha começado bem. Teve o despreendimento de se colocar como solução temporária, sem ambição de reeleição, para reduzir as resistências à aprovação de medidas amargas.
Chegou a algum sucesso e mostrar a que veio nos primeiros oito meses de governo, como listei nesse artigo do final de dezembro:
>>>Dez reformas de Temer fecham ano com horizonte de bom senso
Mas, abatido em pleno voo pela má hora de negociar com um criminoso em altas horas no Palácio, voltou a ficar refém de uma base que não perde a hora para cobrar sua fatura e alavancar seu preço.
O PSDB e sua dança de ameaças de rompimento é apenas a parte mais visível de um processo de chantagem, explícita ou sutil, que torna as reformas mais custosas e arrastadas. A da oposição, que rasgou a reforma trabalhista na Comissão de Ação Social do Senado, outra.
O resultado também mais visível é que a inadiável reforma da Previdência já foi para as calendas. O anacrônico imposto sindical, um dos pontos centrais da reforma trabalhista, foi colocado na mesa em troca da boa vontade com o processo de denúncia do presidente na Câmara e, em menor grau, reduzir os protestos de rua, como reduziu a greve geral de hoje.
Se para um presidente forte e respaldado publicamente, já é difícil tocar qualquer coisa, para um ‘pato manco’ fica ainda mais difícil.
Maioria política arenosa
Os americanos cunharam a expressão para designar o presidente da República que perde a capacidade de aprovar o que precisa no Congresso depois da perda ou redução da maioria na eleição parlamentar.
No Brasil, onde a maioria política arenosa é mantida a escambo permanente, nossos presidentes são meio patos aleijados que só conseguem aprovar alguma coisa se aumentar a troca e ceder ao poder de chantagem.
Daí que nossa cultura política gerou o presidente que administra só no primeiro ano, comete as maldades necessárias para consertar o estrago do antecessor, e passa os outros três anos de mandato se preparando para a próxima eleição, evitando melindrar uma base insaciável.
Ou é ditador e faz o que é preciso sem precisar de voto, como os presidentes militares.
Ou é gênio e consegue se desdobrar em negociações excruciantes para tomar medidas impopulares nos quatros anos de mandato, casos raros de Juscelino Kubitscheck, FHC e o Lula dos três primeiros anos.
Ou é um pato premido pela adversidade, quando o país chega ao limite, e tem algum fôlego para tomar medidas amargas que, em outra situação, a sociedade não aceitaria. Casos de Itamar Franco depois de Fernando Collor de Mello e de Michel Temer depois de Dilma Rousseff.
Favorecido pelas circunstâncias e o medo de que pior do que está não pode ficar, acabam tendo alguma boa vontade ainda pragmática da base. Que volta a mostrar os dentes e a aumentar seu preço quando a situação descamba ou alguém surgido como solução vira problema.
Como agora.
Aguardam-se novas concessões e cada vez mais generosas à medida que novas denúncias forem surgindo.
Timing político
Bin Laden e Raquel Dodge. Quando os soldados americanos fuzilaram Bin Laden, em maio de 2011, Obama mandou queimar o corpo em alto mar, segundo a tradição de seus seguidores, menos de 24 horas depois. Com isso, matou uma polêmica mundial que, se o mantivesse vivo, poderia se arrastar até o fim do seu mandato, sobre direitos humanos, foro adequado para julgamento, poder discricionário americano, papel da ONU e direito internacional de aparar o barba de um prisioneiro de guerra.
Temer indicou a segunda mais votada pelos procuradores para a substituição de Rodrigo Janot, Raquel Dodge, mal as urnas acabaram de ser fechadas. Com isso, matou no peito e jogou no terreno toda a campanha que certamente viria dos aliados do primeiro nome para desqualificar a moça e questionar a legitimidade do atual presidente para indicá-la.
Timing, em política e em poder, como na vida, é tudo.
Afonso Lemos diz
Nosso país precisa mais de moralidade que de economia nos trilhos. Penso que a segunda é consequência da primeira. Não conheço tanto as leis portanto não sei se o judiciário pode matar sozinho este pato aleijado ou se precisa da ação do congresso, mas que esse pato tem que ter o pescoço cortado não há dúvida.
Deocleciano Oswaldo Moreira diz
Ramiro, graças a Deus que sua c oluna e de todos os jornalistas podem ser publicadas sem restrições, coisa que de 1964 a 1988 todos estavam censurados ou presos.