Celeste Headlee tem um talk show numa rádio pública da Georgia, desde 1999, onde começou e continua ganhando a vida como entrevistadora e aprendiz da arte de conversar com empatia.
Com essa e tantas outras experiências em coberturas jornalísticas em outros veículos, elaborou dez técnicas para tornar uma conversa e o conversador agradáveis, que apresentou numa palestra de 15 milhões de visualizações no TED.
Antes de transcrevê-las, preciso dizer que a palestra de maio de 2015 veio no rastro de outras do mesmo tema que se tornou urgente com a polarização sanguinária que, como no Brasil, tomou conta dos Estados Unidos com as eleições e seu envenenamento pelas redes sociais.
Como a que viria fazer, quatro anos depois, Eve Pearlman, uma jornalista veterana que criou um laboratório (Spaceship Media) para colocar adversários conversando, no desafio de criar um antídoto para dissipar a agressividade e criar conversas produtivas.
Aqui, já não é um caso de auto-ajuda para preservar sua saúde no ambiente tóxico instalado, mas de uma necessidade de reformulação até do jornalismo tal qual o conhecemos, em favor da democracia.
Entre a eleição e a posse de Donald Trump, no final de 2016, ela resolveu reunir num grupo fechado do Facebook os dois blocos de aliados que polarizaram a mais violenta eleição da história do país.
Com mediação dela e do Facebook, por um mês, juntou 25 partidários conservadores de Trump, do Alabama, e 25 da rival Hillary Clinton, da Califórnia, no esforço de fazê-los conversar e esclarecer suas diferenças a partir de informações mais completas sobre temas nacionais.
O resultado é surpreendente pelo que revela de semelhanças com o Brasil, que saiu rachado irreversivelmente das eleições de 2014, com o mesmo tipo de intransigência, agressividade e desqualificação do adversário.
O primeiro dever de casa era responder qual a opinião que cada membro de um grupo estimava que fosse a opinião do grupo adversário a seu respeito. Como no Brasil dividido entre reacionários nazistas e esquerdizóides fascistas, era a pior possível.
Para os aliados de Trump, seus rivais californianos os achavam religiosos pregadores de Bíblia, retrógrados, caipiras, burros, racistas, sexistas, ignorantes, xenófobos de bandeira dos confederados no quintal, que andam descalços em garagem de terra, mulheres certinhas de saias rendadas em campos de algodão.
Para os de Hillary, os alabãos trumpistas os achavam loucos e liberais, anti patriotas, esnobes e elitistas, intelectuais que questionam tudo, ateus, permissivos com os filhos, preocupados com a carreira e não com a família, ricos insensíveis comedores de orgânicos.
O objetivo era fazer o que Pearlman viria a chamar de Jornalismo de Diálogo, como uma nova responsabilidade da profissão. Que é a de contribuir para dissipar a agressividade e buscar uma conexão genuína com o outro, a partir da redução dos estereótipos e dos preconceitos.
Na palestra de janeiro último sobre o projeto, no site de conhecimento TED, ela admite:
— Nós jornalistas temos provocado divisão em nome do drama, em busca do público leitor e a serviço de nossas próprias opiniões. Com um fato anedótico ou uma citação fora de contexto com os quais os leitores se identificam por preconceito.
As pessoas chegavam zangadas e com o mesmo tipo de preconceito e reação reflexiva que conhecemos bem aqui. “Como que você pode acreditar nisso?”
Mas, logo de saída, a consciência dos estereótipos que carregavam quebrou barreiras e conduziu a uma conversa respeitosa e uma vontade real de se conectar com o outro. Como se sentissem aliviados por uma chance de baixar a guarda.
— É um processo lento, mas, com o tempo, elas foram descobrindo novas nuances e voltando até mesmo a temas espinhosos. Porque descobriram que não se tratava de uma batalha, de um talk-show de domingo, de uma guerra de memes e gifs, com conquistas políticas vitoriosas fazendo perguntas capciosas.
O trabalho continuou depois com novos grupos, incluindo jornalistas em atividade, no desafio de manter e apoiar pessoas em cenários opostos de conversas, no que ela chama de um novo processo jornalístico
— Deixamos nossos egos de lado, escutando primeiro, com atenção, evitando nossos preconceitos e nossos hábitos de pensamento, apoiando outros para que façam o mesmo. Comunicação genuína requer prática, esforço, prudência e autoconsciência. Não existe um algoritmo para nos dizer o que fazer. Conexão humana real é conexão humana real.
Dez técnicas para uma boa conversa
Celeste Headlee lembra muito bem que de nada adianta treinar para prestar atenção no outro — olhar nos olhos, aprovar com a cabeça, repetir o que acabou de ouvir, etc — se você não estiver prestando atenção de fato, com um interesse genuíno no outro, de fato.
Que é o ponto de partida e pano de fundo das dez técnicas que ela resume:
- Esteja presente. Desligue celular e tablet. Esqueça trabalho, família, comida. Tenha interesse real pelo outro.
- Não dê lição de moral. Se quer opinar, abra um blog. Guardar sua opinião vai fazer o outro abrir a alma. Entre na conversa para aprender com o outro. Vá com consciência de que toda pessoa que você vai conhecer na vida sabe algo que você não sabe.
- Faça perguntas simples como os jornalistas: o que, quando, como, por quê. Se fizer perguntas complicadas, ela vai responder de forma simples.
- Deixe fluir. Não interrompa. Se tiver um pensamento brilhante, deixe passar. Entrevistadores ruins interrompem porque têm a vaidade de não quererem perder a frase ótima.
- Se não sabe, diga que não sabe. Porque não convencerá e poderá ser desmascarado.
- Nunca compare sua experiência. A experiência de perda de um parente, de um trabalho ou de amor do outro nunca é igual à sua. Não se trata de você. Não aproveite o momento para mostrar como você também sofre ou é melhor.
- Tente não ser repetitivo como fazemos com nossos filhos e nossos colegas de trabalho. É paternalista e chato.
- Não ligue para os pormenores. Pessoas não estão interessadas em nomes, datas, detalhes. Elas estão interessadas em você, em conhecer você.
- Prefira ouvir que falar. Temos dificuldade de ouvir porque queremos falar. Quando falamos, achamos que estamos no controle, não ouvimos o que não queremos.
- Seja breve. Boa conversa é como minissaia: curta o suficiente para manter o interesse e longa o necessário para cobrir o assunto.
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