Quando li que o piloto do avião que desabou com Eduardo Campos e seus assessores vinha se queixando de cansaço no Facebook, não consegui deixar de associá-lo ao suicídio do ator Robin Williams, amplamente divulgado um dia antes.
Uma pesquisa do sociólogo David Phillips, da Universidade da Califórnia, provou no final do século passado que, além do aumento já provado de casos de suicídios individuais após a repercussão desse tipo de morte, aumenta também o número de acidentes de avião e de automóveis.
Ele se inspirou no livro inaugural do Romantismo, Os Sofrimentos do Jovem Werther, de Goethe, que desencadeou uma série de suicídios na Europa, no final do século XVIII, a ponto de ser proibido.
Transpondo para a realidade traumática dos Estados Unidos pós-guerra, ele cruzou dados estatísticos entre 1947 e 1968 e detectou que 58 pessoas a mais se suicidavam nos dois meses seguintes a um caso amplamente divulgado.
Imitação por aprovação social
O psicólogo social Robert Cialdini, que trata do assunto para explicar o princípio da imitação em busca de aprovação social, em As Armas da Persuasão, diz textualmente:
– Foi demonstrado que, logo após certos tipos de suicídios amplamente divulgados, o número de pessoas que morrem em acidentes de avião aumenta 1.000%. Ainda mais assustador é o fato de o número de mortes em acidentes de automóveis disparar também.
A explicação é que, fora os que descobrem na imitação do suicídio uma solução para seus dilemas diante de acontecimentos sociais estressantes (crises econômicas, aumento das taxas de crimes, tensões internacionais), existem os suicidas potenciais que oferecem riscos para carros e aviões.
– Indivíduos com tendência suicida podem reagir dando fim à própria vida. Outros reagirão de modo diferente aos mesmos fatos: tornam-se mais agressivos, impacientes, nervosos ou perturbados. Na medida em que essas pessoas operam ou fazem manutenção dos carros e aviões usados por nossa sociedade, os veículos serão menos seguros.
Esse “efeito Werther” que leva um grande número de pessoas a decidir que essa é uma atitude apropriada para elas também pode ser voluntária, camuflada ou involuntária:
– Por alguma razão – proteger suas reputações, poupar suas famílias da vergonha e da dor, permitir que seus dependentes se beneficiem do seguro de vida –, eles não querem dar a entender que se mataram. Preferem passar a impressão de que morreram por acidente. Assim, de forma proposital mas furtiva, provocam um acidente envolvendo o carro ou o avião que estejam conduzindo.
Num exemplo, arrepiante:
– Um piloto de avião pode inclinar o nariz da aeronave num ponto crucial da decolagem ou pode inexplicavelmente aterrizar numa pista já ocupada, contrariando as intenções da torre de controle.
Fatores estressantes, na terra e no ar
Recentemente, o Center for Disease Control and Prevention do governo americano apurou que o número de suicídios no país, de 40 mil ao ano, é duas vezes e meia o de homicídios. Se a mesma proporção puder ser aplicada ao Brasil, onde se mata 50 mil por ano, as estatísticas seriam de 125 mil anuais. Fatores estressantes, se preciso para explicar as causas, não faltam, lá e cá.
É complicado dizer se o piloto que vinha se queixando de cansaço no Facebook estivesse naquele ponto de insegurança em que um gatilho mental pudesse disparar nele algum descuido suicida. Mas aqueles estados de cansaço que reduzem a orientação e até induzem a um relaxamento dos cuidados pode fazer com que um piloto embarque num avião sem caixas-pretas ou sem medo da pressa.
Eu mesmo, em fases de desilusão ou irritabilidade que me deixaram mais excitado ou descuidado, já me senti mais perigoso ao volante. Por duas vezes, bati, embora de forma leve.
O fato de as pesquisas do século passado se referirem a aumento de suicídios em regiões onde se deu a divulgação não desqualifica o fato de que vivemos numa aldeia interligada em que sabemos da notícia minutos depois de encontrado o corpo.
Mas não é de todo desprezível pensar na situação mental de toda a cadeia de pessoas envolvidas no voo de um gatinho executivo, da terra ao ar, da manutenção à torre de comando. E que estão expostas, como estavam, a um mundo de situações estressantes em que a solução encontrada por um ator em situação limite parece ser a adequada.
Clique neste link para ler minha resenha sobre do livro As Armas da Persuasão.