Numa boa entrevista recente, nas amarelas da Veja, o autor de Avenida Brasil, João Emanuel Carneiro, deu conta do que pode ser uma mudança de paradigma relevante nas novelas, esse termômetro bastante confiável da mobilidade social no país. Pela primeira vez, uma novela extingue a dualidade entre núcleos pobre e rico e concentra sua ação principal no subúrbio, de onde, em novelas passadas, a mocinha queria sair para conquistar um playboy da zona zul e subir na vida.
Suprema ousadia, os pobres que centralizam a ação dramática agora não se sentem tão pobres, não invejam os ricos, vivem, amam, brigam e lutam por ser felizes ali mesmo no subúrbio. E torcem por heróis que são parte desse imaginário. Como a Suelen (Íris Valverde, linda, empolgante e espontânea) à caça de jogadores de futebol ou as Periguetes (Isabelle Drumond, Leandra leal e Taís Araújo) das novela das 7h, enfeitiçadas por cantores de forró.
O autor explica que a elite zona sul, que antes centralizava as tramas, perdeu o charme de personagem principal, por causa, entre outras coisas, de assaltos ou até mesmo de uma certa vergonha social de ostentar riqueza. Numa até deselegância, diz que seus colegas noveleiros do modelo rico versus pobre vinham subestimando a inteligência do telespectador ou, no mínimo, não percebendo a ascensão social dos últimos anos que trouxe as classes baixas para o centro da trama nacional. As mocinhas do subúrbio já não querem mais imitar a patroa ou namorar o filho dela – querem debochar ou se vingar de ambos.
Sintomático do fenômeno é que a população fiel das novelas venha apoiando a periguete que faz os homens de trouxas e as empreguetes que querem se vingar da patroa. Mesmo a custo de admitir falhas de caráter dessas suas novas heroínas. Como a megera Carminha (Adriana Esteves), que abandonou uma criança no lixão mas cujo sofrimento no subúrbio parece absolvê-la. Ou a perversa Chayene (Cláudia Abreu, sempre ótima), a cantora brega das 7h, cujo esforço incansável de ascensão parece justificar todas as suas maldades.
Se a torcida das novelas relevava o mau caratismo dos ricos charmosos no antigo modelo, é natural que as eventuais trapaças da classe pobre sejam admitidas à luz de seu esforço para subir nesse país em que os contrastes vão se dissipando.
João Emanuel Carneiro parece mesmo ter percebido isso tudo a tempo e antes dos outros. O que justifica plenamente o sucesso da sua novela.
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