Fora todas as suas infinitas qualidades que o fazem franco favorito ao Oscar 2015, Birdman é uma bela fábula sobre o velho conflito entre ter sucesso de massa ou prestígio intelectual: produzir algo de digestão fácil para o gosto popular ou sofisticado intelectualmente para obter reconhecimento crítico e deixar uma obra perene para a posteridade.
As duas coisas são quase sempre conflitantes e produzem angústia de ambos os lados: dos populares como Paulo Coelho que ressentem-se do reconhecimento da crítica, dos que o têm e resistem a simplificar sua obra para atingir grandes públicos.
Michael Keaton, que por não por acaso rejeitou fazer o terceiro Batman, faz um ator atormentado pelo seu único sucesso, o super-herói também mascarado e encapado do título, tentando um caminho de prestígio com uma peça cabeça na Broadway.
Agrava que é mais difícil ser escritor de pretensões intelectuais em tempo de redes sociais. A certa altura, a filha problema vivida com quase igual intensidade pela jovem Emma Stone (a namorada do último Homem Aranha) o truca quando ele diz que tenta fazer algo importante:
– Importante para quem? Você faz uma peça baseada num livro de 60 anos atrás para pessoas brancas, velhas e ricas que só se preocupam onde vão tomar café com bolo quando a peça acabar. E só você se importa. E, falando sério, pai, você não faz isso pela arte. Você faz isso porque quer ser relevante de novo. Adivinha? Há um mundo lá fora onde as pessoas lutam todos os dias para serem relevantes. E você age como se não existisse. Coisas acontecem num lugar que você ignora. Um lugar que aliás já se esqueceu de você. Quem é você? Você odeia bloggers, tira sarro do Twitter, nem tem um Facebook. É você que não existe. Você faz isso porque, como todos nós, você tem medo de que não importe.
Quando a cena em que ele, por acidente, foge de cueca na praça Times Square viraliza no Youtube, com mais de 50 mil visualizações em menos de uma hora, ela ensina:
– Isso é poder.
Interessante relacionar essa inquietação com a do diretor mexicano Alejandro Gonzáles Iñárritu – um caso clássico de quem parece ter vivido o resolvido (vem resolvendo) muito bem.
Desde Amores Brutos, de 2000, que o projetou para o mundo, ele vem fazendo uma obra corajosa e esperta para conciliar essa quase impossibilidade: ser sofisticado e popular.
Seus sucessos posteriores já em Hollywood, 21 Gramas e Babel, tem a ousadia de misturar tempos e subverter a narrativa que o expectador de cinema médio estranha. Mas que são suficientemente inteligentes para não afastá-lo de seus filmes.
O que quer dizer, afinal, que é possível conciliar as duas pontas. Desde que se tenha o talento desse diretor genial.
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