Poucos assuntos são tão mal explicados para o grosso da população como essa meta fiscal que o governo quer derrubar para fechar suas contas.
Pela boa razão de que o jornalismo político sempre teve dificuldade de traduzir economia, principalmente firulas orçamentárias, e o jornalismo econômico não sabe expressar fora do economês.
Mesmo tendo razoável iniciação em economia, não acho em jornais e revistas, mesmo os especializados, Valor e Exame, uma soma simples 2+2 em língua de gente para me explicar qual é o enrosco financeiro do governo: quanto deve, quanto tem que arrecadar, quanto tem que economizar.
Sinto falta de Silvio Santos numa hora dessas.
Depois de lançado o Plano Collor, a maior expropriação da poupança popular de nossa história, o governo recorreu a ele para ajudá-lo a resolver o problema de comunicação da barafunda de regras correlatas que ninguém entendia e deixava ainda mais em polvorosa uma população traída.
Economistas e jornalistas econômicos, como Lilian Vite Fibe, estavam em situação parecida: misturavam na TV números, regras, cláusulas de contratos e indignação contra uma equipe econômica jovem e arrogante que havia perpetrado a maior extorsão da poupança popular e demonstrava visível incapacidade ou preguiça de dar explicações.
Silvio aconselhou mandarem a jovem, insegura e não menos prepotente ministra da Fazenda, Zélia Cardoso de Melo, a seu programa dominical. Ao vivo, deu uma arrumada na cabeça confusa da moça em rede nacional. Falando a linguagem de camelô, simples e repetitiva, com que construiu seu império, deu um show.
Se Dilma fizesse o mesmo, estaríamos todos mais bem informados.
– Ma-ma-mas, Dilma, como foi que você deixou as contas chegarem nesse ponto? Ra-rai.
– Olha, Sílvio, no que se refere a esse projeto de meta fiscal…
– Nã, nã, não, presidente. Meta fiscal, não. Vamos falar de como a senhora está querendo colocar ordem nas contas da casa, tudo bem? – E para o auditório? – Não é mesmo, pessoal?
– Ééééé…
– Muto bem, muito bem. Vamos explicar para as donas de casa, as minhas freguesas do Baú, minhas consultoras de Jequiti, como foi que a senhora deixou as contas da casa chegarem onde chegou. Certo, pessoal?
– Ééééé…
Dilma tentaria falar, claro, da conjunta internacional adversa, da necessidade de flexibilizar o controle sobre os juros e as taxas de inflação para não criar arrocho e desemprego como faziam seus antecessores, mas que a sua política de superávit primário estourou o teto da meta porque… Etc.
– Pé pé pé péraê, peraê. Vamos devagar…
Aí, ele faria suas contas simples de camelô. Que, até onde sei, com a confusa informação disponível, tentando ser Sílvio Santos, é mais ou menos a seguinte:
1. A família Brasil da Silva tem uma dívida total altíssima, de R$ 300 mil, que corresponde a 61,7% de tudo o que ela tem, o seu PIB (uns R$ 480 mil).
2. Ela se comprometeu com o boteco da esquina, vulgo Congresso, a economizar R$ 9.900,00 neste ano para pagar os juros da dívida, para que ela não aumente ainda mais.
3. Só que ela gastou mais do que arrecadou: ganhou R$ 100 mil e gastou só até setembro R$ 101.500 mil. Quer dizer: se é preciso sobrar R$ 9.900 até o fim do ano e já está faltando R$ 1.500,00, não há qualquer condição de cumprir a meta.
4. Para que o dono do boteco não a mande para a cadeia, ela tem que fazê-lo aceitar que não poderiam ter entrado na conta da economia prometida uns R$ 15 mil de gastos: uns R$ 6.700 num pequeno programa de obras na casa (vulgo PAC) e uns R$ 8.700 de doações a vizinhos (que o governo chama de subsídios ou desonerações).
5. Retirado os R$ 15 mil, o que era um déficit de R$ 9.900 vira um superávit de R$ 5.100 e as contas se fecham.
6. O dono do boteco sabe que é um engodo, mas ela promete que vai trocar o comando das finanças da casa (sai a dona mandona e entra o marido pão-duro), fazer economia dura e garantir uma sobra de verdade no próximo ano.
7. Como o dono do boteco é amigo, mesmo com o protesto de alguns empregados que ameaçam recorrer ao SPC (vulgo STF), dá um crédito.
– Tá certo isso, produção? Não é isso, Dilma?
– Bom, Sílvio, no que se refere à dona de casa…
– No que se refere, não. No que se refere, não. Certo, pessoal? Ra-rai.
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PS – PIB de 4.8 trilhões, dívida de 3 trilhões, economia anual prometida de 99 bilhões, déficit até setembro de 15 bilhões, obras do PAC de 67 bilhões e desonerações 87 bilhões.
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