Martin Scorsese fez alguns dos melhores filmes de todos os tempos sobre deserdados ou canalhas nos seus limites – Táxi Driver, Touro Indomável, Os Bons Companheiros, Cassino, Gangues de Nova York – numa longa carreira que já era grandiosa nos anos 70.
Mas demorou a convencer a academia de que merecesse um Oscar de diretor. O que só veio em 2007, aos 65 anos de idade, por Os Infiltrados, sobre um mafioso e um policial infiltrados cada um no universo do outro.
Parte da explicação é que, embora seus filmes sejam exuberantes, retratos acabados de sujeitos carregados de obsessão e os transtornos de sua cumplicidade com os parceiros, têm sempre um pé bem fincado em roteiros convencionais.
O Lobo de Wall Street, sobre um escroque à frente de um batalhão de malandros numa montanha russa de dinheiro, opta por um tipo de biografia já meio fora de moda em Hollywood. Aquela que pretende ser épica quando poderia ser focada.
Há muito que as biografias no cinema deixaram de pretender contar toda uma vida, como em Ghandi, de Richard Attenborough, Oscar de 1982. Enxutas, miram num ponto, um determinado momento da carreira do biografado, que definiu seu papel na história.
Como o excelente A Rainha (2006), que exumou o caráter da rainha Elizabeth e de seu reinado ao confrontá-la com suas mediocridades no episódio de morte da nora Diana. O Último Rei da Escócia, também de 2006, sobre a relação de intimidade perigosa do ditador Idi Amin vivido por Forrest Withaker com um médico jovem e amedrontado. Ou ainda Frost/Nixon, em torno da entrevista histórica de um jornalista inglês com o ex-presidente americano, apenas ela, suficiente para expor as vísceras das vacilações do presidente expulso da Casa Branca pelo escândalo de Watergate.
A opção conservadora parece deixar espaço de sobra para o diretor extraordinário nos planos, nas sequencias , na competência para adensar a personalidade de seus protagonistas e arrancar desempenhos fabulosos (como o de Leonardo di Caprio neste), seguro no manejo de uma carpintaria que domina como ninguém há décadas.
Mas que segue fazendo aquele prato bem feito, saboroso, a que falta, entretanto, a pitada de originalidade que empurra talentos para o Oscar.
PS – As três grandes biografias citadas são, por coincidência, de um mesmo roteirista, o talentoso inglês Peter Morgan. Em O Lobo de Wall Street, Scorsese optou por Terence Winter, o mesmo dos seriados Os Sopranos e Boardwalk Empire. A afinidade com temas ligados à máfia não deve ser a única coisa que os une. Esse roteirista também grandioso parece preferir o adensamento dos personagens à tensão do roteiro.
Deixe um comentário