CPI é outro capítulo da campanha sangrenta que lhe movem o triunvirato incomodado por suas ações passadas ou futuras: Congresso, STF e advogados dos condenados
Um grupo de deputados lulopetistas e por extensão anti-lavajatistas propôs, o chefe da Casa Civil de Bolsonaro, Ciro Nogueira, aplaudiu e o presidente da Câmara Arthur Lira emendou que acatará, se feito, o pedido de CPI contra Sergio Moro.
Querem apurar o que não lhe diz respeito em cima de um processo do Tribunal de Contas da União metido no que não lhe cabe: o contrato privado entre um cidadão no exercício de seus direitos e a empresa americana Alvarez & Marsal, depois de cumprida sua quarentena de juiz da operação que mudou o país.
A tese esdrúxula é de que teria prejudicado as empresas com suas decisões na Lava Jato, de forma premeditada, na intenção de que um dia seria contratado pela consultoria a que suas condenadas recorreriam no futuro em questões de recuperação judicial.
Na cabeça deles, não foram as empresas que se quebraram ao se envolver e serem condenadas por relações fraudulentas com órgãos públicos. E o juiz, sabendo das falcatruas, não deveria puni-las em nome de preservar-lhes a saúde financeira.
Não tem mérito algum, salvo político, na guerra sangrenta que lhe movem lulistas e bolsonaristas, sócios na empreitada de desmoralizá-lo por terem sido devidamente desmoralizados por ele.
Embasados pelo grupo de advogados encastelados no grupo Prerrogativas, em grande parte defensores dos réus condenados por ele, que nunca lhe perdoaram por acabar com seu principal meio de vida, a chicana.
Foi o grupo que patrocinou o jantar que consagrou a aliança entre Lula e Alckmin, em que um dos seus membros proeminentes, Alberto Toron, presenteou o candidato petista com uma beca, aquela capa que dá pose de Batman aos juízes, e uma frase de Coringa:
— [Lula seria] o símbolo mais elevado da Justiça.
Outro eminente do time, Cláudio Mariz de Oliveira, emendou outra típica de Gotham City:
— Se o crime já aconteceu, de que adianta punir? Que se puna, mas não se ache que a punição irá combater a corrupção.
O Prerrogativas reúne a nata dos defensores de personalidades enroladas nos altos tribunais que consomem charutos e uísques caros como uma extensão da personalidade.
Seu mentor intelectual e símbolo mais exibido é Kakay, aquele que foi de bermuda brigando em tons com a camisa estampada ao STF e posou de beca mostrando a cueca.
Foi criado para defender as tais “prerrogativas” constitucionais que lhe deram o nome, embora tenha muitos advogados que não estão em campanha aberta por Lula e nem façam a guerra suja contra Moro, como têm sido as ações barulhentas do grupo.
Que tem o apoio alegre de parte da imprensa respeitável atrás do confronto com o terceiro candidato mais indicado nas pesquisas para a Presidência da República e da que, como eles, também está na mesma campanha, a favor de um e contra o outro. Com sangue no olho.
É a mesma facção que não deu destaque ou ignorou o manifesto de mais de mil advogados, esses sim prerrogativos em defesa do juramento que fizeram na formatura, contra as manifestações coringueiras de Toron e Mariz:
— A advocacia brasileira não glamouriza o crime, o criminoso, a injustiça, a impunidade e a corrupção.
Juntos e combinados, os três blocos e a imprensa que lhes sustenta dão vida e continuidade às ações escandalosas de um quarto, o STF, que — Gilmar Mendes à frente — anulou todas as condenações do ex-juiz e decidiu por sua suspeição com base em mensagens hackeadas que não constavam dos autos.
É uma confluência pavorosa de interesses para desmontar um símbolo nacional, numa campanha de desmoralização nunca vista na história deste país. Não só pelo tamanho e volume dos ataques que mobiliza, mas pela desfaçatez com que defende o lado errado, mal se dando conta — ou dando conta demais — da vexatória inversão de valores que promove.
Desmontar e evitar que ganhe corpo numa campanha de candidato a presidência da República que pode azedar a pizza de seus candidatos e, na hipótese ainda que remota de ser eleito, mudar o jogo de poder que hoje os sustenta.
Sergio Moro estaria tranquilo com seu emprego em dólares nos Estados Unidos, se vingando do país miserável que o tornou criminoso e em heróis seus condenados. Mas cometeu a imprudência de ser candidato e ressuscitar as forças adormecidas contra ele.
Pior do que isso, mais ameaçador, tomar logo de cara o terceiro lugar nas pesquisas eleitorais, como principal ameaça aos dois primeiros colocados, maiores prejudicados por suas ações passadas e futuras, não por acaso os dois cabos da guerra que lhe travam.
Como já escrevi nesse artigo, mesmo que não seja eleito, tem alto potencial de estrago nas campanhas de ambos ou de ser, no mínimo, desconfortável a Lula, na medida em que encarna tudo o que se pode pensar de ruim sobre o petista.
Basta sua presença em cena para rememorar aos de boa fé, não contaminados totalmente pela campanha insana contra ele, o cenário de inquirição em Curitiba, onde o grande líder de massas exaltado em verso e prosa foi reduzido à sua verdadeira estatura.
Pena que Sergio Moro ainda não tenha talento, jogo de cintura e a malandragem para enfrentar essa guerra com os instrumentos certos, de que o serpentário de Brasília é mestre. Nesse outro artigo, quando engatinhava como estagiário em política, escrevi que deveria sair candidato a senador.
Anda preocupado, por exemplo, se deve ou não dar-lhes o que pedem, o valor de seus rendimentos na empresa, ou explicar que não atuava em casos de empresas julgadas por ele. Sem perceber que não é nisso que estão interessados.
Manejam ferramentas de desmoralização que devem ser respondidas com as mesmas armas dos manuais de guerra política: bater de volta e atacá-los pelos flancos, por suas vulnerabilidades. Políticos espertos fazem o adversário ver que o ataque pode ser mau negócio.
Ele só vai sair dessa e ter algum alívio se fizer saber que a CPI, caso vingue, pode retirar do armário esqueletos da Lava Jato que não interessam a seus signatários, à trupe de advogados e aos ministros de tribunal que os apóiam. Como, por exemplo, algum eventual tráfico de influência que pode haver entre eles, seus parentes e os grandes escritórios de advocacia brasiliense.
E dar nome, endereço e CPF aos bois. Muito do limbo de Sergio Moro se deve à sua omissão diante da primeira bateria de pancadas. Aguentou calado a campanha sórdida de memes emanada do gabinete anexo ao de Jair Bolsonaro, que lhe agregou a fama injusta de “traidor” à que já tinha de “suspeito” pelos lulopetistas.
Quando passou a falar, o fez do jeito protocolar de juiz em sentença: “Salvo melhor juízo, o ex-presidente deve explicações…” Só muito recentemente passou a usar linguagem de candidato e a devolver o insulto com a competência dos bem sucedidos em política.
— Canalha é você — devolveu a Lula, no que é marco de sua virada retórica.
Ainda precisa aprender a atacar por iniciativa própria, como ensinam os mestres dessa arte, e colocar bodes na sala dos outros ao invés de perder tempo tirando os que lhe colocam na sua sala. Aprender com Lula, ajeitar bem o alvo e atacar antes.
Ou com, vá lá, Bolsonaro. A maior parte do sucesso da campanha vitoriosa de 2018 esteve em escolher o alvo certo — o ódio ao PT — e colocar os ataques na mesa antes de esperar oportunidade.
Seu alvo ideal hoje talvez seja o mesmo do capitão, o establishment que resiste com as mesmas crenças, os mesmos interesses, os mesmos métodos e a mesma resistência a perder seu status. No Congresso, no STF, nos escritórios de Brasília, em boa parte da imprensa.
Parte do arsenal de acusações que lhe movem, nesses cinco blocos de poder, é o de que seria uma continuação de Bolsonaro. Com a mesma plateia de extrema direita e o que chamam sem fundamento de as mesmas tentações ditatoriais.
Poderia, com base em outra lição dos manuais de guerrilha eleitoral, assumir o defeito como virtude. Como faz Ciro Gomes agora, ao transformar sua agressividade num ativo: “a rebeldia da esperança””
Tome a ideia de ser Bolsonaro como seu ativo de enfrentar o establishment como o capitão prometeu em 2018. Se dizem que será um novo Bolsonaro, admita que pode ser no que foi a intenção original na campanha que galvanizou o país: colocar os políticos, os ministros do Supremo e seus advogados nos seus devidos lugares.
Assumir enfim que pode ser o Bolsonaro que vai dar certo, que tem currículo, experiência e valores totalmente diferentes. Tem autoridade para fazer o que ele prometeu, acabar o que ele mal começou.
Pode se surpreender. A população detesta esses grupos. Falar mal do Congresso, do STF e da imprensa sempre dá ótimos resultados.
> Publicado no Estado de Minas, em 25/1/2022
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