Mad Men, o seriado que trata do mundo das agências de publicidade na NY dos anos 60, é um corpo estranho no panorama da ficção americana.
1. Não tem um crime a ser descoberto, um amor impossível a ser conquistado, um trauma a ser superado, qualquer grande problema a ser resolvido. Mecanismos manchados nos roteiros, de vingança, trapaça ou ambição desmedida, não são explícitos.
2. Nada parece acontecer ou demora demais para acontecer. Espera-se que a jovem redatora que engravida do riquinho casado vá criar um problema colossal, mas ela não conta, não cobra, e ele só vai saber que foi pai quatro temporadas depois, no meio de uma conversa casual, sem ênfase, sem clímax. Espera-se que um dos sócios da agência onde se passa a trama vá encontrar a mulher cuja foto guarda na carteira encontrada num táxi, mas ela nunca aparecerá. Espera-se que a longa conversa do protagonista com um empresário exótico, na cozinha de uma mansão durante uma festa, vá ter algum significado na trama. Mas é apenas mais um cliente que, como outros estranhos, aparecem e desaparecem sem deixar vestígios.
3. O personagem principal, o angustiado diretor de criação Don Draper, reage ao mundo que o cerca sem muita convicção de onde quer chegar. Diferente do herói clássico de toda a ficção bem sucedida americana, não tem um grande obstáculo a superar. Vai reagir um pouco, como tudo na série, lá pelo final da quinta temporada, e deixar no ar o embrião de algumas soluções que vão se desenvolver na sexta, atualmente em cartaz na HBO.
4. Diferente também de tudo o que se consolidou como ficção bem sucedida no cinema americano, é o pano de fundo – e não a história – que parece importar. No caso, a vida americana nos anos 60, recheada de avanços na conquista dos direitos civis, mas ainda entranhada de machismo, racismo, muita bebida e cigarro consentidos, no trabalho ou em casa, até mesmo entre grávidas.
– Éramos um bando e bêbados conversando em meio a uma nuvem de fumaça – disse um eminente publicitário nova-iorquino que inspirou casos da série.
5. Os diálogos são elípticos, em que os incômodos são mais sugeridos que enunciados. São retalhos de falas curtas que vão definindo o caráter dos personagens e tocando a trama aos poucos. Percebe-se, por exemplo, uma tensão sexual absolutamente mal resolvida entre o sócio reprimido sexualmente e a gerente voluptuosa, alimentada apenas do que nunca foi dito.
Não é fácil se render a uma série dessas, sem ganchos visíveis e soluções rápidas, de história arrastada e diálogos rápidos, homeopáticos e escorregadios, que requerem atenção redobrada e às vezes rewind no DVD para serem compreendidos. E de finais sem solução que, muitas vezes, se assemelham àqueles chatos filmes europeus de anti-heróis sem esperança.
Mas tem uma força magnética que nos amarra na cadeira, mesmo cozinhando uma angustiazinha chata de não se estar entendendo bem o que acontece.
Pode ser que a explicação para essa redenção envergonhada esteja na reconstituição de época meticulosa, nos figurinos charmosos, nos personagens exuberantes construídos a conta-gotas e nos saborosos briefings de criação das campanhas para os produtos da época (feijão enlatado Heinz, malas Sansonite, hotéis Hilton, cigarros Lucky Strike).
Ou, certamente no meu caso, no deleite de tentar entender além do que está sendo visto. Como algo tão fora dos parâmetros televisivos possa estar sobrevivendo por seis temporadas, merecendo bons índices de audiência e cativando aficionados mundo afora? Ou, suprema indagação, como alguém conseguiu convencer os pragmáticos produtores americanos a embarcar numa aventura tão fora dos padrões e das conhecidas tendências do gosto médio americano? Em que ponto alguém pega algo tão fora da curva e banca, com a segurança de que vale a pena tentar?
Leio que o criador Mattheu Weiner elaborou um roteiro especulativo sobre esse mundo das agências de publicidade que lhe valeu convite para escrever para a série Os Sopranos, mas que foi engavetado por sete anos. Até que o canal a cabo AMC resolveu estrear na produção de seriados apostando em algo fora do comum, acima dos padrões massificados das séries americanas, de já reconhecida qualidade.
Mas isso não explica tudo. Ou pelo menos minhas inquietações. Durmo pensando que esse brilhante roteirista arranjou um outro jeito muito estranho de criar suspense. Aquele em que alguma coisa pode não ocorrer. E, mesmo se não ocorrer, valeu a pena esperar para não ver.
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