A crítica especializada e a torcida tentada a fazer leitura política do Oscar torceu por Spike Lee, o mais negro dos cineastas, que não aceita concessões que possam colocar em questão a história de massacre de sua raça.
Concorreu mais uma vez e sem sucesso, a diretor, e levou para casa o Oscar de melhor roteiro adaptado, com Infiltrado na Klan. Para quem o conhece, sabe que deve se tratar de algo mais contundente e indiscutível sobre a segregação racial em seu país, que, na sua obra, não comporta tentativas de apaziguamento.
Mas os tempos parecem estar mais para os panos quentes e tons mais cinzas de Green Book — O Guia, melhor filme do Oscar 2019, que prefere contornar a questão racial para contar uma boa história de amizade e lealdade. Acima e apesar das piores adversidades.
O que tem de bom, embora aparentemente banal, é a competência para trilhar o campo minado do preconceito racial numa premissa que tem tudo para parecer maniqueísta logo de saída.
Um negro chique, pianista de projeção, contrata um branco grosso e racista para lhe servir de motorista e segurança numa turnê pelo sul dos Estados Unidos, a última região escravocrata a abolir a discriminação racial.
É uma inspiração as avessas e provocativa de outro road-movie famoso, com sinal trocado, para tratar do mesmo tema. Conduzindo Miss Daisy, de 1990, trazia Jessica Tandy como a magnata judia autoritária que vai se dobrar aos poucos ao encantamento do motorista vivido por Morgan Freeman.
Estamos em 1962, quando negros ainda eram proibidos de frequentar os mesmos espaços sociais dos brancos, em pleno calor dos movimentos de libertação negra que daria em Malcolm X e Luther King.
A primeira sinalização, que começa no cartaz do negro com pose de rei e o motorista entediado, já remete à piada fácil de que negro também pode ser preconceituoso. Mas o roteiro de Nick Vallelonga, filho do motorista que viveu a história real, vai bordar uma leve teia de contradições e de desmonte das aparências para investir na afinidade que realmente importa.
O pianista Don Chealey (Marhershala Ali, vencedor de ator coadjuvante) quer enfrentar o preconceito que tem vergonha de dizer seu nome, nos salões da elite branca que o ostentam como broche de erudição e tolerância. O leão de chácara Tony Lip (Viggo Mortensen, maravilhoso), desempregado, sanguíneo como todo descendente de italiano, quer só o dinheiro para sustentar sua família. Se se recusa a cumprir também o papel de mordomo/babá do artista, não é por preconceito, mas por ser humilhante para qualquer homem.
Na jornada dos heróis que vão empreender juntos, nos 40 dias antes do Natal, vão desmontando nossos preconceitos, um a um. Ambos capazes de grandezas e misérias, no confronto com seus iguais ou desiguais pela frente, acabam por se revelarem homens comuns em que o preconceito ou a falta dele não é defeito, mas algo de inerente ao fato de ser humano, uma questão de humanidade.
Como no melhor e nos mais óbvio dos roteiros eficientes, em que o protagonista volta para casa transformado depois de sua jornada de autoconhecimento, os dois voltarão melhores e mais tolerantes. O motorista não mais aceita que se faça piada de negros perto dele, o pianista vê que é possível se relacionar com brancos como gente comum, que não precisa se proteger diante deles sob a casaca de pianista de sucesso.
Previsível o tempo todo, daqueles que a gente sabe que os antagonistas vão se bicar para acabar se entendendo, o roteiro é fino nessa tecida e genial por procurar subverter a ordem que Conduzindo Miss Daisy parecia também que apaziguar. Porque visava também, ontem como hoje, falar de lealdades.
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