Talvez você não saiba, mas entre os primeiros 19 milhões de comentários no Twitter sobre a execução de Marielle Franco, automatizados a favor ou contra seu método de trabalho em defesa dos direitos humanos, 5% eram de robôs, segundo um levantamento do Departamento de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas.
Na última grande desabada da bolsa de Nova York, no início de fevereiro, descobriu-se que eles eram mais de 50%. Eles compram e vendem em milissegundos, numa velocidade impossível de acompanhar pelo dedo humano interessado em competir nesse mercado.
Você pode, por exemplo, comprar uma ação da Petrobras a R$ 20, em um clique, às 10h30 da manhã, e vender a R$ 20,90 às 16, ganhando quase 5% que ganharia na Poupança em um ano. Só que um robô, bem calibrado algoritimamente, pode fazer milhões de operações iguais ao dia, comprando e vendendo, criando fortunas ou misérias instantâneas.
Não sei se já existe, mas é possível que sim ou já há condições para você usar robô para conseguir namorada/o. Dispara um monte de ordens de captura de intenções mundo afora, estabelecendo suas condições, filtra, recebe de volta um cardápio de opções, responde, estabelece a conexão, encontra, sem preciso. Você escolhe.
Como são robôs, com capacidade de volume, tempo e disponibilidade para ficar nas redes sociais tanto quanto ou mais que os humanos, eles acabam definindo o, digamos, consenso do mercado.
Se alguns milhões de robôs compram a cada vez que o preço chega a R$ 20,01 e vende a cada vez que ele chega a R$ 20,99, em velocidade exponencial, dificilmente o preço da Petrobras ultrapassará essa faixa. E o pobre do pequeno investidor, o sardinha que alimenta os tubarões na linguagem do mercado, não tem qualquer chance de furar esse bloqueio, competir ou ver sua ação valorizar de forma real.
No caso do namoro, os sem robô, como os feios, continuarão solitários ou talvez mais um pouco. Porque a grande massa de interessados do outro lado estarão sendo disputados por excesso de pretendentes. Ainda que robotizados.
No caso da política, que define os rumos do mundo e a ordem do que queremos ser, é mais complicado.
Fim do debate
Quando todo o debate for polarizado por robôs algoritimamente bem calibrados, será tal a carga de combate contra ou a favor, de tal forma massificada, em busca de monopolizar a comunicação e estabelecer o consenso, que sobrará pouco espaço para o cidadão comum exercer influência, se fazer ouvido em meio à grande cacofonia que se instalará.
Sem condições de pautar e programar com a mesma velocidade dos que detém maiores equipes e máquinas, se transformará quase num espectador passivo, a emitir miados frágeis e débeis contra a algazarra.
E o país terá uma espécie de consenso automatizado, a favor e contra qualquer coisa, uma espécie de 2 mais 2 é igual a 4, um fla-flu.
Pensando bem, mais ou menos parecido com hoje, onde o debate parece polarizado meio a meio por robôs de carne e osso, muito coração, um pouco mais de fígado e pouco cérebro.
Só que mais profissional e cada vez menos espaço para a zona cinza da dúvida e da humildade diante do desconhecido. Aquela em que se reconhece que o adversário não é um inimigo a matar, que nem todos são santos e nem todos são bandidos.
Já nas próximas eleições, eles devem ser grandes ou talvez os principais atores. E com as próximas e outras próximas, devem chegar à monopolização que almejam. Candidatos que arvorem a influir não poderão dispensá-los.
O lado bom é que vamos enfim tomar consciência de que é ilusória essa conversa de que com um dedo e um mouse podemos mudar o mundo. Que as redes sociais podem ser um bom lugar para se divertir, mas não para matar o outro. Porque seremos impotentes para isso.
E, vendo que é impossível achar espaço para conversar nesse meio, vamos voltar para a mesa do boteco, onde a conversa sempre fluiu com mais naturalidade. E autenticidade. E onde a divergência se esgota no último chope.
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