Na semana passada, Clarice Franco de Abreu Falcão encheu o Circo Voador, no Rio de Janeiro. O público disputou ingressos de cambistas para ganhar assento na famosa casa de espetáculos e direito de delirar em torno de suas musiquinhas debochadas e meio mórbidas sobre desencontros amorosos, numa cativante mistura de delicadeza juvenil e deboche de compositor veterano.
Numa delas, dedica uma declaração de ódio ao namorado, noutra diz que bebeu um barril quando romperam e, no seu caro-chefe, Monomania, faz uma deliciosa brincadeira sobre a obsessão de compor só para ele. Em Oitavo Andar, em que se imagina saltando e se espatifando sobre ele lá embaixo, está o melhor do seu humor negro:
“E, aí, só nos dois no chão frio,
De conchinha bem no meio fio,
No asfalto riscados de giz,
Imagina que cena feliz,
Quando os paramédicos chegassem e os bombeiros retirassem nossos corpos do Leblon,
A gente ia para o necrotério ficar brincando de sério deitadinhos no bem-bom.
Cada um feito um picolé,
Com a mesma etiqueta no pé,
Na autópsia daria pra ver,
Como eu só morri por você.”
Talvez ela não existisse, se dependesse dos canais tradicionais de rádio e TV. Se você é dessa geração analógica, é natural que não a conhececesse. Ela é um fenômeno da internet, último recanto para a experimentação e para talentos do seu tipo.
Sua voz pequena, sua presença miúda e sem maiores preocupações com apelos estéticos, seu jeito banquinho e violão sem glamour e, ainda, suas letras de um lirismo entre besta e nonsense, compõem tudo o que a indústria da música não procura para tocar no rádio e na TV.
Explodiu no rastro do sucesso do Porta dos Fundos, um canal de vídeos de humor demolidoramente incorretos do youtube, que, em um ano, comemorado semana passada, já conseguiu 400 milhões de visualizações. Os três mais vistos – Na Lata, Sobre a Mesa e Rola -, com média de 10 milhões de visualizações, é uma coqueluche nas redes sociais.
Ela é a florzinha tenra desse grupo de malandros talentosos e desbocados, capazes de encarar até com o que há de mais sagrado.
Como num dos últimos vídeos, numa brincadeira sobre depilação de partes íntimas. Clarice vai ao ginecologista, que acaba divisando na composição dos pelos de sua vagina nada menos que a imagem de Cristo. Atrai uma romaria de devotos de velas acesas diante de suas pernas abertas.
É possível que, em menhum outro veículo que não a internet, isso fosse possível. E que, sem Clarice, talvez ficasse muito mais pesado e sem graça.
Se você ainda não a/os conhecia, você precisa urgentemente mudar de canal.
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