A principal restrição da sentença de Sérgio Moro no triplex do Guarujá são as provas indiciárias e não objetivas contra Lula
Aprendi no melhor filme de tribunal, Acima de Qualquer Suspeita, baseado no best-seller de Scott Turow, que advogados quase nunca tratam do mérito.
Como quase diz lá o defensor do promotor Harrison Ford, acusado de matar a amante, é melhor nem saber o que o réu fez para não atrapalhar a defesa. Que se baseia, quase sempre, nas chicanas em torno das firulas do processo.
Como aos jornalistas interessa, porém, é se houve algum cadáver, lá vai o que li e depreendi ao longos dos anos do caso do triplex do Guarujá:
- Marisa Letícia comprou o direito de uma unidade de 82m em uma das torres do conjunto empreendido pelo sindicato dos bancários, presidido por João Vaccari.
- Em 2008, a pedido de Lula, o dono da OAS Leo Pinheiro aceitou assumir o empreendimento então falido, paralisado e sob risco de prejudicar 2.400 afiliados.
- Em 2009, a OAS deu pro de 30 dias para cada morador se manifestasse por devolver o imóvel e receber as parcelas pagas de volta ou assumir novas parcelas em novo contrato.
- Marisa Letícia foi a única que não aceitou nem uma coisa e nem outra. Não devolveu o imóvel e nem continuou pagando.
- Matéria de O Globo de 2010 revelou que os Lula da Silva eram donos de uma cobertura no prédio, solicitada por Vaccari como compensação. Léo confirmou. Vaccari, não.
- Entre 2010 e 2013, Léo tentou convencer Lula, através de Vaccari e do diretor do Instituto Lula, Paulo Okamoto, a transferir a propriedade dessa cobertura, ainda em nome da empresa.
- Em fevereiro de 2014, Lula visitou o apartamento com o empreiteiro, quando teria solicitado reformas – escada, elevador e churrasqueira.
- Em agosto do mesmo ano, Marisa Letícia visitou com o filho e o arquiteto planejando reformas para usar o imóvel ainda no réveillon daquele ano.
- Documentos e delações do empreiteiro, da empresa de arquitetura e do vendedor comprovaram que a cozinha planejada foi escolhida por Marisa e encomendada junto com a do sítio de Atibaia.
- Em novembro daquele ano, Léo foi preso pela Lava Jato por desvios na Petrobras. No início de 2015, seis anos depois de ter sido consultada, Marisa Letícia decidiu enfim desistir oficialmente do imóvel e pedir o dinheiro de volta.
O processo aberto pela Justiça de São Paulo foi enviada pela juíza do caso para Sergio Moro, no entendimento de que se tratava de mérito relacionado à Petrobras. Que o apartamento teria sido dado a Lula como contrapartida por benefícios em contratos com a petroleira.
A relação deu base ao famoso Powerpoint do procurador Dallagnol, em que colocava Lula no centro de um sistema tentacular para explorar a Petrobras em troca de benefícios pessoais, para aliados e o PT.
A principal restrição de bons juristas à sentença de Sergio Moro é que ela teria considerado toda essa conjuntura e os depoimentos dos delatores, sem provas objetivas que os ligassem a Lula.
Usou as chamadas provas indiciárias, que o Direito brasileiro tratava até então com ressalvas. Com a decisão de ontem na Segunda Turma do STF, se não for revertida em plenário, elas perdem todo o valor.
A prova de que Lula pudesse ter encomendado, pedido e recebido o benefício, em troca de favores à empreiteiro na Petrobras, seria a única reunião a sós com Léo, de cuja veracidade depende um consenso impossível entre os dois.
A defesa de Lula se ateve ao fato de que ele nunca foi dono. A tese da Lava Jato era de ocultação de patrimônio e lavagem de dinheiro.
Para Lula, Léo mentiu para obter benefícios da delação. Em seu depoimento a Sérgio Moro, atribuiu a Marisa Letícia, já morta, todas as gestões relacionadas ao apartamento. A mais de um aliado disse que nunca quis o imóvel, porque uma cobertura de praia não cabia na sua biografia.
Deixe um comentário