Uma das mais resistentes inutilidades do noticiário, adotadas religiosamente pelas grandes redes de rádio e TV, é aquela informação clássica de que a bolsa de valores subiu ou caiu 0,75% hoje.
Num universo de mais de 400 empresas que compõem o índice, onde umas sobem 30% e outras caem 20%, é mais ou menos como informar que o país teve hoje uma temperatura média de 17,5, tirando uma média dos 35 graus do ensolarado nordeste e dos 5 das geadas do sul.
Ou como aquelas pesquisas de supermercado que as rádios adoram: os preços tiveram um aumento médio de 2%, enfiando na mesma sacola tanto um tomate que subiu 30% quanto um biscoito que caiu 20%.
Fora do contexto, não servem de nada nem para o entendido do impenetrável universo das ações que vai ao supermercado comprar uma cerveja, nem para a dona de casa que precisa comprar um tomate e nunca pensou em investir na Vale.
São primas-irmãs daquela salada de índices cuspidos todos os dias, às vezes contraditórios: o da construção civil que caiu, o do consumo que aumentou, o da indústria amplo que andou de lado, o da produtividade que reagiu e por aí vai.
Pois é esse noticiário de índices dispersos, mal contextualizados e mal explicados, que alimenta as críticas de que a imprensa torce a favor ou contra o governo, dependendo dos índices e do interesse do interlocutor. Atualmente, mais contra, diante da redução das expectativas de melhoria que sobressai dessa cortina de fumaça.
Misturando tudo, o que dar para entrever entre a névoa produzida pela imprensa é que, sim, as coisas pioraram. Mal ou bem, o noticiário traduz o que se vê quando se anda pela vida real: lojas vazias no sábado, muitos estabelecimentos fechando as portas, mais placas de vende-se ou aluga-se nos imóveis, menos vendas de carros, mais liquidações de produtos nobres nas gôndolas porque o consumo, como sempre acontece em tempos de crise, caminha para o arroz e o feijão.
A melhor explicação, pelo que se pode divisar em meio à zona de sombra poluída pelos índices que ela cospe todos os dias, é que se esgotou o modelo de crescimento focado no aumento de crédito para as classes baixas e na retirada de impostos de determinados produtos-chave para forçar a queda de seus preços. Não adianta oferecer crédito e carros ou geladeiras mais baratos se os contracheques estão saturados pela malandragem dos empréstimos consignados.
O que ela não consegue, tanto quanto o governo, é apontar o caminho. E cai numa espécie de mantra, também rezado todos os dias, de que é preciso melhorar a infraestrutura para que os empresários produzam mais por menos e a reduzir os custos públicos, para que o governo gaste menos e possa reduzir os juros para favorecer a queda dos preços.
Só que esse mantra esbarra numa máquina pública paquidérmica, que não tem agilidade para apressar os projetos de melhoria do país e nem pode ser racionalizada, porque engessada por todos os todos os tipos de direitos que os diversos feudos foram cristalizando dentro dela.
Embora se saiba que a máquina administrativa é imensa, com muito mais servidores do que seria racional, eles não podem ser demitidos. E orçamento é todo engessado com as obrigações constitucionais que, entre outras coisas, obrigam os governos a destinar percentuais para a educação e a saúde, mesmo que não possam ou não precisem.
Se Lula fosse chamado a explicar o que a imprensa se esforça por fazer, diria que o governo é mais ou menos como a dona de casa que ganha 10 mil e gasta 20 mil, e a cada mês manda promissórias ao banco, oferecendo juros maiores, criando novas dívidas para pagar as passadas.
“Cortar o quê?, perguntaria como já fez um dia, já que não pode deixar cortar a luz, a água, o gás e o telefone. Que está cheia de empregados que não pode demitir, embora muitos não sejam capazes de trocar uma lâmpada e não estejam preparados para fazer as reformas no corredor. E ainda precisa vez em quando de criar benefícios para estimulá-los ou evitar greves. Que, mesmo endividada, arranja um jeito de ajudar o vizinho a comprar uma geladeira nova, confiando que o empréstimo vai trazer mais renda para dentro de casa.
Mas, como não é Lula, vai cuspindo índices e produzindo nuvens, chuvas ou trovoadas. Mas que, no fim, como no caso das previsões meteorológicas, acaba acertando.
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