Nunca gostei de Futebol por ser indiscutível e de Religião por ser insondável. Abracei a terceira das mais polêmicas paixões humanas, a Política, pelas razões que se verá.
Quando surgiu o videoteipe, lá pelos anos 60, e as jogadas em campo podiam ser conferidas e contestadas com a precisão do olho, o grande Nelson Rodrigues continuou firme nas suas interpretações do que o resto do Maracanã não via, naquele tipo de provocação que traduzia bem sua desconfiança de toda pretensão de objetividade:
– O videoteipe é burro.
Seu jeito peculiar de interpretar intenções antes de se transformarem em gestos para tirar delas uma certa poesia do absurdo me ajudou a entender porque nunca me empolguei por futebol.
Esse duelo de 22 homens dentro de uma quadrado que se esgota ao fim de 90 minutos de passes com ou sem consequência nunca me deixou margens para interpretações. Um gol é um gol como é um gol.
Nunca entendi como que ações que se esgotam nelas mesmas, como uma falta, um pênalti ou um escanteio, possam gerar mais discussões além do chope que, como o lance, se esgota nele mesmo.
Acresce que, com o aparato tecnológico de dezenas de câmeras de precisão capazes de exibir mundialmente até a epiderme suada do goleiro, não dá mais para dizer que o “o videoteipe é burro”. A não ser com pretensões poéticas ou figura de estilo de gênios da literatura, cada vez mais raros diante de tanta objetividade.
Daí que toda a discussão em torno de uma partida que acabou de terminar é uma curiosa conversa de concordâncias ou uma furibunda guerra de egos para triturar o adversário, não pelas razões em campo. O que nunca me deu argumentos suficientes para entender porque o treinador ou o jogador considerado gênio ontem tenha se transformado no idiota de hoje.
Nunca entendi que grandes escritores perdessem tempo com futebol. Nem em meus tempos de redação, em que se dizia que a editoria de esportes era o vestibular dos grandes redatores, o futebol uma escola de estilo e a paixão pelas manhas do gramado a matéria prima dos grandes escritores.
Respeitava os exemplos – Nelson Rodrigues, Ruy Castro, Luís Fernando Veríssimo – mas nunca entendi que pudessem ter-se rendido a uma matemática sem espaço para especulação filosófica e cuja discussão simplificadora desqualifica o adversário, nega o contraditório, desconfia da neutralidade.
Tente se dizer neutro numa discussão entre atleticanos e cruzeirenses ou flamenguistas e tricolores ou ainda entre corintianos e palmeirenses e verá o quanto sondarão suas contradições até descobrirem um rótulo em que possam enquadrá-lo e deixá-los confortáveis.
Por que então caí na Política?
Porque, fora o fato de ser o instrumento de organização dos homens com um objetivo específico, é o melhor espaço de construção do conhecimento.
Por comportar múltiplas interpretações das caneladas metafóricas que os políticos se dão e nenhuma câmera moderna poder captar, deixa espaço de sobra para a divergência e o contraditório.
É um tipo de pensamento, de construção da racionalidade, onde todos os candidatos a grandes escritores, mesmo diante do rosto assustado da presidente ou do adversário em rede nacional, pode dizer, sem medo de errar, que a câmera é burra, que não capta todas as intenções e implicações ocultas.
Pena que, com o advento das redes sociais, esteja-se configurando no mundo virtual uma arquibancada de Fla-Flu, em que também se nega o contraditório e se desconfia da neutralidade e, pior, se desqualifica o adversário na pior de todas as covardias – rotulá-lo para tornar o argumento inválido.
Manter a Política como terreno de expressão e conhecimento humano nesse ambiente requer cada vez mais esforço, paciência e tolerância. Mas, eu insisto. Das três paixões, é a que melhor pode expandir o conhecimento sobre a nossa raça.
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