Quando as “saidinhas de banco” começaram a virar febre, os legisladores municipais votaram a lei que proíbe o uso de celular dentro dos bancos.
Como as ocorrências não diminuíram, votaram outra obrigando a instalação de cercadinhos em forma de escudo em torno dos caixas.
Como os bandidos insistiam em tomar dinheiro de quem saía de banco, vieram novas normas para restringir o ir e vir dos clientes, como a redução de horários de funcionamento e de disponibilidade de dinheiro nos caixas eletrônicos.
Mais um pouco, pensei à época, e vão algemar os clientes.
Depois veio a dengue. Como os governos federal, estadual e municipais se sentiam impotentes para combater o mosquito, por falta de recursos financeiros e humanos para equipar laboratórios e limpar terrenos, disseram que compete à sociedade evitar que ele nasça.
Nesta semana, assisti a uma palestra da Polícia Militar sobre segurança na escola de minha filha, na zona sul, de pais e mães assustados com a onda de assaltos no entorno, que não é diferente do resto da cidade.
Além das recomendações de agir com cuidado ao buscar os filhos na escola, o centro da explanação do tenente responsável pelo comando da área, tímido e educado, era a de que deveríamos procurar o Batalhão e registrar qualquer ocorrência, mesmo leve.
Sem ocorrências cadastradas, a área é estatisticamente pacífica aos olhos da polícia e não precisa, diante disso, de atendimento prioritário.
— Trabalhamos com estatística — disse.
Segurança impotente
A questão de fundo é a mesma. Como o poder público é impotente para dar segurança à população, seja na saída de bancos ou da escola e mesmo dentro de casa, é transferir para a população a responsabilidade por seus infortúnios.
Essa coisa nasceu no final dos anos 80, nos movimentos participativos de discussão e votação das constituições federal e estadual, e gerou rebentos de participação coletiva como o Orçamento Participativo. Sempre na tese de que, não basta ser sociedade, tem que participar.
O busílis é que acabou servindo para que o poder público se eximisse de suas responsabilidades.
Como não tem dinheiro para fazer todas as obras e oferecer todos os serviços numa determinada área, faz uma assembleia do tipo Orçamento Participativo e transfere para a população a responsabilidade de priorizar. Ela sai toda feliz com a ilusão de ter feito alguma coisa ou contribuído para o bem geral da República. E o poder público aliviado de que precisa fazer apenas o que é discutido.
Quando não leva às últimas consequências o vício do assembleísmo. Devemos ser a única polícia do mundo que, ao invés de reprimir, senta para negociar com manifestantes que bloqueiam estradas.
A PM tem meu respeito e minha solidariedade, até por piedade.
Ela é o elo mais importante e entretanto mais fraco da corrente do nosso degradado sistema penal, que solta de tarde os presos que ela entrega de manhã. Mas tendo a achar que, fora suas reais limitações técnicas, financeiras e de pessoal, vem virando refém desse discurso, agravado mais recentemente pelo excesso de confiança na tecnologia.
Confiante de que os problemas se resolvem com as câmeras do Olho Vivo e as planilhas de B.O, ela pode estar perdendo seu feeling, sua noção de realidade e de responsabilidade.
Mapa da segurança
Qual o cidadão que hoje está disposto a ir perder algumas horas na burocracia desaparelhada de um batalhão, para comunicar uma ocorrência que não vai redundar em nada, a não ser um ponto no mapa da violência? Sabe-se que mesmo comerciantes, clubes e condomínios evitam chamar a polícia para não ouvir a mesma conversa e correr o risco de sofrer alguma retaliação dos bandidos que não serão descobertos e, se o forem, não ficarão presos.
Imagino que seus tarimbados comandantes sabem muito bem onde é preciso atuar, sem precisar de câmeras, e como, sem precisar de estatísticas. E que seu papel é antes o de reprimir do que o de conversar.
Um guarda em cada ponta da rua de bares de Lourdes teria evitado o arrastão que recentemente levou os proprietários a decidirem por fechar as portas mais cedo. Certamente já incorporaram o discurso de que seu destino depende só deles e, que depois da porta arrombada, não adianta trocar a fechadura com uma polícia que virá aconselhá-los a tomar cuidado.
Imagino o que seria de Nova Iorque se, ao invés da política de tolerância zero que botou pra quebrar no início dos 90 e debelou uma situação crônica igual à nossa, os comandantes resolvessem chamar a população para conversar e priorizar áreas de combate numa assembleia democrática. Ou para um Orçamento Participativo.
— Olha, é da responsabilidade também de vocês etc…
Tudo muito bonito, mas não me convence.
Vou continuar fazendo minha parte, vasculhando ao redor ao entrar e sair do carro ou de casa, escolher horas de frequentar bares e bancos, até porque não tem outro jeito. Mas, por favor, não me venham dizer que a culpa por ser assaltado é minha e que a responsabilidade por conseguir obras e serviços essenciais dependem de mim.
Ah: também não me convidem para assembleias.
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