1. Pode um apresentador e dois repórteres elegerem um prefeito?
A campanha de reeleição do pessebista Márcio Lacerda à Prefeitura de Belo Horizonte utilizou em sua propaganda eleitoral no rádio três grandes profissionais da rádio Itatiaia. A montagem movimentada e esperta explorou vozes, estilo e o modelo de conversa fácil e reportagens ágeis que os fazem amados na emissora de mais acachapante audiência da cidade.
De repente, o veículo de comunicação que está para esta província como o Jornal Nacional e a revista Veja estão para o país, guardadas as proporções de foco e público, admite que o prestígio de seus apresentadores e repórteres seja colocado a serviço de um dos lados da disputa pelo governo da cidade a que ela serve todos os dias com informação abundante e, tanto quanto possível, imparcial.
Eles também, ao que parece, também não vêem que tal engajamento possa colocar em risco a credibilidade de seus julgamentos sobre problemas da cidade, em seus futuros programas. E talvez acreditem que seus ouvintes fiéis vão conseguir separar as coisas e entender que a defesa momentânea que fazem de um dos lados da disputa não vai afetar a qualidade da informação que lhes é oferecida todos os dias.
Márcio Lacerda, por sua vez, contratou alguns dos homens mais prestigiados da emissora de maior audiência da cidade (depois da Libedade, que não faz jornalismo) não apenas pela cor dos olhos ou pelo tom de suas lindas vozes. Sabia que estava contratando uma história, um prestígio, uma repercussão mais fácil para evitar argumentos mais complicados. Como os publicitários preguiçosos que contratam astros de novela para propagandear os produtos ao invés de gastarem tempo, energia e equipe em comerciais criativos.
2. Pode um sorriso eleger um presidente?
Can a smile elect a presidente? é o título de uma pesquisa acadêmica sobre as eleições de 1984 nos Estados Unidos, em que Ronald Reagan disputava uma reeleição apertada com o democrata Walter Mondale. Psicólogos da Syracuse University, liderados pelo professor Brian Mullen, resolveram gravar por oito dias as referências aos dois candidatos feitas pelos âncoras dos jornais noturnos (o Jornal Nacional de lá) das três principais redes de TV: Dan Rather, da CBS; Peter Jennings, da ABC, e Tom Brokaw, da NBC. Todos tidos como vacas sagradas do jornalismo americano, pelo espantoso poder de influir.
Pois pegaram esses 37 trechos, tiraram o som e, sem informar do que se tratava, pediram a um grupo de telespectadores que classificassem o nível de emoção dos três em cada trecho, numa escala de 21 pontos que ia do “extremamente negativo” ao “extremamente positivo”. Quem estivesse no meio, entre um e outro (10,5 pontos), estaria demonstrando imparcialidade, capacidade de se manter indiferente, nem para mais e nem para menos, ao citar os nomes dos candidatos.
Dan Rather ficou entre 10,37 e 10,46 ao citar Reagan ou Mondale, uma expressão quase perfeita de neutralidade. Tom Brokaw obteve 11,21 ao citar Mondale e 11,50 ao citar Reagan. Mas Peter Jennings, da ABC, bateu 13,38 citando o democrata e chegou a 17,44 quando se referia a Reagan. Segundo a pesquisa que irritou a emissora e fez o âncora taxar Brian Mullen de idiota, o rosto de Jennings quase se iluminava ao citar o candidato republicano.
Para checar a expressão dos mais influentes jornalistas do país na intenção de voto, os psicólogos fizeram também pesquisas entre os telespectadores das três redes e descobriram que, sim, os aficionados no jornal da ABC de Jennings tinham bem maior predisposição a votar em Reagan. Arguiu-se na época que os telespectadores dessa emissora poderiam ser mais conservadores e tenderiam a votar em Reagan independente das expressões de seu âncora, mas o psicólogo demonstrou que não fazia sentido. A ABC era muito mais crítica em relação ao republicano em seu noticiário geral. O que só ampliava a força da expressão de Jennings.
Quatro anos depois, na eleição entre George Bush e Michael Dukakis, os resultados foram semelhantes.
3. E eu com isso?
O impacto dessa expressão involuntária que dispensa argumentos e pega o telespectador desavisadamente na poltrona – e que talvez por isso tenha tanta força – me chama a atenção para a grande responsabilidade de homens de comunicação à frente de veículos poderosos. Também me remete ao nível de exigência dos formadores de opinião em países de democracia consolidada, onde se briga por respeito às regras do jogo, ao nível de tais sutilezas. E me faz cair na real sobre o estágio de nossa civilização tupiniquim.
Neste país atrasado, grandes veículos de comunicação escamoteiam suas preferências de forma nada sutil, políticos contratam a credibilidade de jornalistas, os veículos de comunicação vendem e seus profissionais aceitam. Todos parecem apostar que o ouvinte/telespectador/eleitor não se importa. Ou pior: acham que ele não é capaz de discernir se estão lhe oferecendo notícia ou propaganda.
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