Consumidores e empresários do país miserável e refém do monopólio bancam as altas margens que fazem a festa dos governos em impostos e dos acionistas em lucros
A Petrobras tem faturado cerca de R$ 100 bilhões por trimestre, R$ 400 bi ao ano, com um lucro bruto de mais de 60%, R$ 64 bilhões brutos no último, antes de descontar impostos e as previsões contábeis de dívidas e depreciações.
Foram mais de R$ 42 bilhões líquidos, que lhe permitiram guardar algum para investimento e distribuir R$ 31 bi para seus acionistas. Entre eles, R$ 11 bilhões para seu maior sócio, o governo federal, e os outros R$ 20 bi para os acionistas minoritários, americanos na maior parte.
Conseguiu a façanha de nadar e colocar seus acionistas nadando em dinheiro em tempos de crise, sem aumento significativo de produção e vendas, graças à indexação de suas receitas à cotação internacional do dólar, que resultou num aumento em torno de 107% nos preços de alguns de seus produtos em um ano.
Mas não só eles. Ao entregar seu produto superfaturado nas distribuidoras, ela alimenta uma cadeia que as engorda na forma de custos e lucros e, em forma de impostos, o governo federal (de novo) e os governos estaduais . Em bi e tri tributação.
De forma que o combustível que chega a cerca de R$ 2 nas distribuidoras, já inchado dos custos e lucros que vai alimentar os governos e os acionistas, passa a R$ 6 e até 7 nas bombas .
A diferença é paga pelo pobre coitado que manda encher o tanque na ponta, o motorista de táxi/uber, o industrial, o trabalhador que precisar rodar ou comprar o gás da janta, num país miserável e refém de um sistema de monopólio que arbitra o preço que quer.
Se, numa hipótese, ela pagasse menos impostos próprios e eliminasse o lucro em tempos de crise, considerando a miséria do país e do povo que explora, poderia reduzir seu preço pela metade, com reflexos iguais em toda a cadeia. É o que as empresas fazem em tempos de crise, mas não uma monopolista que não precisa dar satisfação a ninguém.
Com o apoio alegre da malta do mercado financeiro, a fingida preocupação dos governos federais e estaduais entupindo suas burras e a complacência dos analistas de mercado na imprensa . Historicamente, os primeiros a berrar quando o governo ameaça interferir nos preços da estatal que Roberto Campos, pai, chamava muito bem de petrossauro.
Ah, o governo vai inviabilizar a empresa orgulho nacional que tem seus custos indexados em dólar, é o máximo que explicam. Entram pouco na vida da empresa e muito na do governo de turno, em que batem pesado a qualquer tentativa de questionar a companhia.
Como fizeram com Dilma e agora com Bolsonaro, quando mandou trocar o presidente que andava autorizando aumentos quase diários.
É uma lógica de vaca dourada intocável e curiosa de defesa do capitalismo livre como se esse mastodonte sem concorrência que acoita políticos e apaniguados em salários e bonificações estúpidas — e distorce toda a cadeia produtiva — possa ser enquadrado na categoria de sociedade aberta e competitiva.
Vão me chamar de ignorante, claro. Mas não é preciso entender muito de economia — ou nem convenha entender como os atuais analistas — para olhar com senso de realidade para o abuso do lucro em hora errada. É sabido que acionistas de qualquer empresa adoram lucro e detestam investimento, que em geral adia suas retiradas.
Nada tenho contra riqueza e distribuição de lucro para quem investiu, mas também nada contra, muito antes pelo contrário, a competição. Os entusiastas da Petrobras – acionistas, governos e analistas – querem o mundo maravilhoso do capitalismo, só que sob controle de um monopólio que coloca o preço que quer.
Se defendessem capitalismo mesmo, seriam a favor de uma abertura radical de mercado, que atrairia pesos pesados mundiais, como Chevron, Exxonmbill, Pelmex, etc, para competir em igualdade de competições na produção, no refino, na distribuição. Duvido se não chegaríamos rápido à autossuficiência e a preços reais.
Nunca entendi também — de novo vão me chamar de ignorante e agradeço se me explicarem — qual o problema de produzir, distribuir e vender em reais. Pega-se os custos de produção com seus impostos e previsões, acrescentam-se as margens de lucro e divide-se pelo volume de produção para chegar ao preço justo do litro.
Até onde minha vista alcança, parece que existe uma competição controlada em forma de conluio e meio cartel entre a Petrobras e as importadoras de combustíveis, outra ponta de aproveitadores. A companhia não pode abaixar seus preços para não destruir essas que são, sim, oneradas em moeda estrangeira.
Em janeiro, o presidente da entidade que os reúne, a Abicom, foi ao órgão regulador da concorrência, o Cade, denunciar a Petrobras por práticas predatórias. Haveria indícios de que o presidente Bolsonaro estaria intervindo nos preços da empresa , “com prejuízos para importadores e acionistas”.
Operação em real não poderia ser considerada fim do mundo se houvesse a consciência propalada de que se trata de uma empresa pública, de interesse social, como as concessionárias de água e energia: outros mastodontes mal explicados de pouco investimento e muito lucro, como já escrevi neste artigo . Considerando sua essencialidade para toda a cadeia produtiva e de consumo, até os miseráveis.
Mas ninguém a vê assim, a não ser a esquerda por ignorância e a direita por conveniência. É muito paradoxal que no país de capitalismo estatal, que engorda os maganos em detrimento dos pobres, os dois espectros do pensamento político, da mais extrema esquerda à mais extrema direita, estejam de acordo que a empresa deva continuar a ser explorada como vem sendo.
Parece bom para todos que não vão à bomba.
>Publicado no Estado de Minas, em 2/9/2021
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