Uma leitura rápida das estratégias da campanha a partir da agressividade que prejudica o próprio Bolsonaro mas diz respeito também a Lula e a jornalistas
1 – É razoável dar crédito às acusações de que Jair Bolsonaro é origem do clima de ódio instalado. Usa ataques como método desde que defendia fuzilar presidentes da República, até chegar a pregar a extirpação de petistas da vida pública simulando metralhadoras com suporte de microfones. Não é coincidência que a maioria dos envolvidos em agressões que até acabam em morte é de bolsonaristas.
2 – É certo que a agressividade o prejudica. Funcionou na campanha de 2018, mas o tempo demonstrou se tratar de um caso de despreparo e desequilíbrio. Tanto que tem feito algum esforço de autocrítica sobre suas falas desastrosas na pandemia e parte do seu entorno ideológico tem evitado passar pano para agressões como a do deputado Douglas Garcia contra a jornalista Vera Magalhães.
3 – Não é prudente acreditar que possa mudar. Bolsonaro se sente desconfortável e passa falsidade quando tenta se passar por bom moço. Sua participação contida no Jornal Nacional foi um desastre para a imagem com que sua base eleitoral está acostumada. Seus esforços de contenção em entrevistas não resistem ao próximo discurso diante de plateias.
4 – Embora ruim para ele, os ataques da atual temporada funcionam contra Lula. Parte de seu estancamento no teto, com alguma perda de alguns pontos na maioria das pesquisas, se deve ao fato de que os ataques o apresentam enfim aos jovens, a geração do milênio que nasceu nos seus governos e não o conhecia. Muito menos os enroscos em que se meteu.
5 – Bolsonaro tem pressa de fazer funcionar contra o adversário tanto seu saco de bondades (Auxílio Brasil, redução no preço de combustíveis, etc) quanto o de maldades, em que mais se empenha neste momento. Mas Lula também corre atrás de resolver a parada no primeiro turno e evitar que se amplie o tamanho de sua desconstrução.
6 – Sua campanha investe na antipatia antidemocrática, com boa dose de calhordice e estupidez, de convencer os eleitores de Ciro Gomes e Simone Tebet a fazer voto útil em seu favor. Ao modo petista de ser, parte de sua militância chega a chamar seus eleitores de fascistas por estarem em tese fazendo o jogo de Bolsonaro. Como se qualquer voto de protesto fosse propriedade da esquerda. Ou como se o destino moral de qualquer eleitor que rejeita Bolsonaro fosse Lula.
7 – De forma menos pior, a campanha lulista cogitou terceirizar para artistas a mobilização pelo voto útil. Problema é que, pelos nomes de sempre que tentam envolver — Chico Buarque, Caetano Veloso e cia —, vão falar para os convertidos como Bolsonaro no 7 de Setembro. Ou só para a fração dos votos de Ciro e de Simone que iriam para Lula de qualquer jeito.
8 – Do que se estratifica nas pesquisas, eleitores de Ciro e Simone se dividirão em partes mais ou menos iguais para os dois primeiros colocados. Um percentual um pouco além da metade dele pode ir para Lula. Percentual semelhante, mais à direita, dela, deve ir para Bolsonaro. Pode ser decisivo se Lula estiver na reta final com quase 50% dos votos válidos. Tendo dividido os votos entre os dois, Lula supera a metade necessária para ser eleito no primeiro turno. Mais razoável supor porém é que, como em todas as eleições, os eleitores de qualquer candidato vão descarregar votos em quem estiver na frente, para resolver nossa tragédia logo no primeiro turno.
9 – Não há um consenso de a quem o voto envergonhado possa beneficiar: se o eleitor de Lula que teme professá-lo para não ser acusado de estar se associando a um “candidato ladrão”, entre outras coisas, como se diz; se o eleitor de Bolsonaro, igualmente temeroso de se dizer aliado de um “candidato genocida”, idem, ibidem. O respeitado analista de pesquisas Antonio Lavareda estimou possibilidade de voto envergonhado em Bolsonaro, mas a Quaest apurou estatisticamente que, havendo, o benefício é de Lula.
10 – O que explica a discrepância das pesquisas, que chegam a dar diferença entre os dois primeiros de 15 (Ipec), 11% (Datafolha), 8% (Quaest) e 6% (Poderdata)? A melhor explicação até agora é a diferença de amostra na faixa em que Lula é mais votado, a dos eleitores de renda de até 2 salários mínimos. Os dois primeiros institutos consideram percentual de 57% de eleitores na faixa e os demais apenas 38%. Não há referência oficial mais recente, como pesquisa do IBGE, para dizer quais estão certos.
11 – A campanha de Bolsonaro caiu na provocação da narrativa de que não gosta de mulheres e tem passado a maior parte do tempo, de sua energia e de sua propaganda, na defesa. Está dando mais importância do que merece — e de forma equivocada, direta, no desespero — a um tema que é restrito a uma faixa irrisória, residual, do eleitorado, a do feminismo militante, principalmente nas redações da imprensa tradicional. A acreditar no barulho dessa militância, o capitão de fato truculento não teria um voto sequer das mulheres. Tem mais de 30% deles e pode crescer, se for mais sutil e menos desesperado. Em campanha, como se sabe, quem está na defensiva está perdendo.
12 – A campanha lulista caiu também na esparrela do ambientalismo, do identitarismo e do velho discurso da fome, questões que me parecem também residuais atualmente no eleitorado. No caso específico da fome, a maioria não acredita que dorme sem comer quem tem acesso a pelo menos o mínimo do Auxílio Brasil, de $ 600,00. Onde a campanha acerta e muito é passar uma imagem de conciliação, muito convincente nas falas motivadoras do candidato, contra a hipótese de ódio que Bolsonaro de fato representa.
13 – Nunca li nada de Vera Magalhães que me autorize a acusá-la de parcial ou desonesta. Seu problema, como o de Míriam Leitão, outro saco de pancada que não merece ser chamada de imparcial ou desonesta, é ser chata. Daquela chatice clássica e insuportável do jornalista típico que só vê desgraça e é incapaz de ceder a um mínimo de informação a favor do governo, de qualquer governo. Salvo quando recheada de adversativas. Tem a ver com o cacoete de classe, mas também por ficar bem com sua tribo, certa covardia de elogiar para não passar por adesista entre a turminha do chope. Não acontece com jornalistas mais maduros e seguros, como Merval Pereira, Elio Gaspari ou Josias de Souza, capazes de dizerem as mesmas coisas sem agressividade e sem viés definido. Não é desprezível a tese de que determinados jornalistas, embora pareçam certos, também cultivam agressividade e produzem ódio. Para não ficar só em mulheres, Augusto Nunes é um deles. Voltarei ao assunto.
>Publicado no Estado de Minas, em 15/9/2022
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