Candido Portinari não deve ter tido a dimensão de quantos e tão apaixonados discípulos fez mundo afora de sua pintura marcante de mulatos rotundos, migrantes miseráveis e crianças livres, distribuídos em mais de 5 mil quadros e nos dois painéis monumentais que fez para a ONU, que, por privilégio, estão em Belo Horizonte para marcar a entrega da restauração do Cine Teatro Brasil.
O menino Sérgio Campos também não sabia o quanto havia de Candido Portinari em suas primeiras inquietações pictórias lá em Muriaé.
– Eu me vi com os personagens de Portinari antes de sua pintura.
Rabiscava pelas paredes um pouco de seus parentes maternos e muito de seu universo rural.
– Portinari, sem conhecer minha pequena história, me fez vê-la essencialmente. Eu entro na tela, empurro os volumes de tintas com os pés, ajeito o chão de terra e armo a arapuca de pau. Quero aprisionar o destino do pássaro.
Cresceu, formou-se na Bela Artes da UFMG, fez questão de frequentar aulas de anatomia humana e animal no Instituto de Ciências Biológicas para entender a fundo a mecânica dos músculos e sua função na tensão dos gestos que queria retratar.
Seus desenhos, desde os primeiros, tem uma alta tensão de músculos retesados, de veias saltando, um quê de flerte com os personagens e o discurso social cheios de força dos cafezais de Portinari.
– Não vejo os meus sem ele. Não vejo meu país sem sua arte, com todo o peso generoso do ser humano que nela está e toda a sua vivacidade de impulsos – reconhece ele, no texto em que apresenta o Projeto Palaninho, de esculturas que produziu em cima de personagens de seus quadros mais famosos.
Parte das esculturas está também em Belo Horizonte, na mostra D’Apress Portinari, na mesma exposição do Cine Teatro Brasil – Guerra e Paz – que ostenta os murais famosos. No encontro do menino inspirado com o mito inspirador dá para perceber a celebração do artista de uma descoberta que estava só esperando a hora de se manifestar.
– A matéria da arte não é intermutável, mas as técnicas penetram-se e, nas fronteiras, as interferências tendem a criar novas matérias.
Eu também, que acompanho a evolução dos traços de Sérgio desde seus matutos miseráveis e musculosos dos anos 70, que deu no trabalhador gigante cheio de polêmica que está numa praça de nossa cidade, compartilho da descoberta. Brindando com ele, entre feliz, surpreendido e embasbacado como sempre com sua obra e sua reverência.
– A Portinari, meu erro em bronze forjado na leveza do agradecimento e dessa homenagem.
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