Se você perguntar numa fila de supermercado quem é Kéfera Buchmann, ninguém vai saber.
Há 30 anos atrás, você não precisava perguntar quem é Xuxa. As donas de casa já estariam praguejando antes de qualquer pergunta, entre pepinos e repolhos, contra a modelo de short curtinho e pernas longas considerada meio depravação para as crianças fissuradas diante de nove em cada 10 aparelhos de TV ligados.
Pois Kéfera é uma espécie de rainha das baixinhas da era da internet, com prestígio, paixão e fidelidade correspondentes entre pré-adolescentes.
Tem mais de 7,6 milhões de seguidores no canal individual brasileiro mais visto do Youtube (13 milhões contando Instagram e Twitter) e está há mais de 20 semanas no topo de todas as listas de livros mais vendidos com sua história de patinha feia que não conseguia namorado.
E as mães dessa nova era acham graça do seu jeito desbocado e sem frescura de falar de paquera e sexualidade com suas filhas.
Tentar entendê-la é sondar o salto quântico no comportamento e nos meios de massificação que separa as duas, de um tempo em que havia um só canal para milhões de telespectadores a outro, em que cada telespectador tem milhões de canais à escolha.
Há muitas respostas que requerem o tratado de que não sou capaz, mas a principal é certamente a da diluição do poder, uma espécie de democratização do mito, característico da internet, que permite a qualquer indivíduo, com as ferramentas certas e baixo custo, transformar sua experiência em autoridade.
Nessa nova era, não cabe o nariz arrebitado de Xuxa, o seu distanciamento majestático de tiazinha moralista e rainha intocável que descia numa nave estelar sobre o palco para ser admirada à distância. Uma espécie de santidade assexuada cercada de baixinhos eunucos, como disse num artigo clássico Arnaldo Jabor.
A era de Kéfera é a da celebridade que tem gases e compartilha com suas seguidoras grandes e pequenos dilemas existenciais, como o de administrar um desarranjo intestinal no clímax do encontro romântico tão planejado com o paquera, como conta no livro.
Ela não está acima nem distante, não é tia nem irmandade sem sexo. Nem tem súditos.
Está ao lado, pode ser tocada na rua, uma pessoa comum conversando com pessoas comuns, que pode muito bem mandar o fã que pediu um autógrafo tomar naquele lugar. É hilário o quebra-pau com a depiladora que teve um chilique de fã tresloucada quando se viu diante da parte íntima objeto de tantas discussões no vídeo.
Mas que não se a tome como uma maluquete inconsequente.
Kéfera é uma atriz talentosa que atrai por conta da divertida interpretação das situações que descreve, de uma cumplicidade sincera e de uma ética desses tempos em que tudo é permitido, desde que haja honestidade de propósitos. Ela apareceu fazendo sucesso com um vídeo contra o inferno das vuvuzelas na Copa de 2010 e tem entre os mais vistos o de seis meses atrás em que detona a seu jeito a chatice das brigas nas redes sociais.
Se tem uma forma correta de conversar com seu filho ou sua filha sobre a primeira vez, deve ser como a que está no seu papo cabeça de 9:52 minutos e mais de 6,4 milhões de visualizações desde maio. Nem mãe terrorista, nem tiazinha doidinha ou amiga metida a liberal. Uma conversa honesta e responsável sobre a hora certa, cheia, como tudo nela, de humor.
É bom ver para não passar vergonha na fila do mercado quando lhe perguntarem pelo fenômeno.
Ramiro Batista diz
Procede, Adriana. Mas duvido que Kéfera dure 30 anos na lembrança. Nesse novo tempo de informação abundante, é tudo muito rapidamente descartado.
Adriana Gomes diz
Pois é Ramiro, agora sei quem é a Kéfera. Já passei vergonha, não numa fila, mas numa rodinha, ao não saber quem era Wesley Safadão. Não está dando tempo de acompanhar a tresloucada mudança do mundo. E olha que eu me esforço muito. Minha internet no cel funciona 24 h.
Mas para além da mudança vertiginosa, está a descartabilidade das coisas, “a modernidade líquida”, “o amor líquido” de Balm.
Daqui há trinta anos haverá uma geração pra se lembrar de Kéfera, como hoje há a geração ( chegando nos 40 anos), que se lembra da Xuxa, e ainda se diverte com suas musiquinhas e dancinhas?
Temo que tais gerações não terão lembranças próprias, afetivas. E torço pra estar errada.
PS. Minhas lembranças são da Tia Dulce, Clubinho.