Como compreender o problema da interpretação de textos e imagens a partir do livro que tenta entender a cabeça dos cachorros e como nos comunicamos com eles.
O que erros em mamografias, em diagnósticos de loucura e em mira de mísseis americanos tem a ver com o problema da interpretar textos e imagens e com O Que se Passa na Cabeça dos Cachorros?
Veja os seguintes casos de erros feios de interpretação pelo que é o seu principal problema, falta ou excesso de informação:
1.
Uma epidemiologista da Universidade de Washington, Joann Elmore, pediu a 10 radiologistas que examinassem 150 radiografias de mama, sem informar que 123 eram de mulheres saudáveis.
Entre massas suspeitas, densidades assimétricas focais, bolsas, bolhas ou frisos de cálcio, um deles viu câncer em 87% das mostras, outro 78%, um terceiro 37%, outro 50% e por aí afora.
Três deles consideraram normal uma mamografia particularmente complicada, a mesma que dois deram como anormal, mas com câncer benigno, e um terceiro viu câncer maligno.
2.
Na década de 70, o professor de psicologia da Universidade de Stanford, David L. Rosenhan, pediu a oito voluntários de diferentes profissões que procurassem diferentes hospitais psiquiátricos fingindo estarem ouvindo vozes e palavras como “vazio, pancada e oco”. Todos acabaram internados em mais ou menos dias.
O médico foi então a um hospital de pesquisa e informou às equipes que, nos três meses seguintes, enviaria novos grupos de pseudopacientes. Dos 143 recebidos nesse hospital, nos meses seguintes, os médicos identificaram 43 como saudáveis. Só que o professor não havia mandado um sequer. Erraram de novo.
3.
Na Guerra do Golfo, nos anos 90, para derrubar os mísseis Scuds que o Iraque arremetia contra Isral, a Força Aérea Americana utilizou em cada um de seus caças um sofisticado equipamento de rastreamento e mira, de 4,6 milhões de dólares. Tinha capacidade para tirar fotografias de alta resolução numa faixa de sete quilômetros no deserto.
Os pilotos da famosa operação Tempestade no Deserto voltaram à base com a certeza de terem destruído pelo menos 100 caminhões-lançadores. O feito foi comemorado pelos comandantes e divulgados como sucesso da operação, mas, quando a guerra acabou e uma equipe foi ao local verificar o estrago, descobriu que nem um caminhão havia sido destruído.
Foi o mesmo tipo de miopia que deu ao presidente Bush a falsa certeza de que Sadam Hussein mantinha usinas de armas de destruição em massa.
Interpretar cachorros
O que uma coisa tem a ver com a outra é o talento impressionante do jornalista da revista The New Yorker, Malcom Gladwell, para desmontar verdades estabelecidas ou certezas absolutas produzidas de informações prejudicadas pelas limitações interpretativas do homem. Seja por falta ou excesso de informação.
— Poucos reflexos culturais são mais arraigados do que a ideia de que uma foto corresponde à verdade, diz.
Ou, no caso dos médicos que internaram pacientes sãos ou dispensaram possíveis doentes mentais, nada complica mais um diagnóstico do que o que ele relata como “determinismo retrospectivo”. Que é a tendência humana de buscar explicação no passado que prejudica a avaliação no presente.
No texto que dá título ao livro, ele se aprofunda na experiência do mais notável adestrador de cães americanos, César Millan. Ele é capaz de aquietar com pequenos gestos ou poucas palavras os cães mais ferozes ou mais desastrados, isolados ou em grupo.
Seu estudo meticuloso de todo o gestual empregado para ocupar sem assustar o espaço do animal, um bailado de sabedoria ou o fraseado corporal, é uma aula de como interpretar com eficiência as informações emanadas pelo cachorro, pelos defeitos dos donos e pelas condicionantes da circunstância.
Cachorros não são mais inteligentes que os chimpanzés, mas nenhum outro animal interage assim com o homem. E só grandes comunicadores agem como César Millan.
E possivelmente raros jornalistas são capazes de mergulhar com tanta competência e clareza nos condicionamentos humanos para elucidar enigmas que nos atormentam, pequenos ou grandes. Desmontar para expandir tudo o que sabemos de significado, significante, signo e semiologia.
Interpretação e condicionamentos
Tem um texto sensacional sobre a complexa composição de sabores do ketchup Heins, que explica porque nenhuma outra tentativa de imitação derrubou seu impactante monopólio no gosto americano.
Um outro sobre o pânico especula com impressionante consistência o que pode ter passado pela cabeça de Jana Novotna quando entregou uma partida praticamente ganha a Steffi Graf num jogo histórico do torneio de Wimbledon.
Ou mais um sobre a desorientação que levou John Kennedy Júnior a cometer tantos erros na cabine do avião que arremeteu imprudentemente, em parafuso, para o mar.
Outros condicionamentos psícos ou culturais que podem influir na avaliação são tratados num grande texto que desmonta as teorias conspiratórias de que o FBI e a CIA foram negligentes em perceber os sinais terroristas que antecederam o 11 de setembro.
Ainda outro desnuda como as crenças religiosas prejudicaram a visão do criador da pílula anticoncepcional, John Rock, sobre a saúde da mulher. Por causa do modelo de 28 dias, baseado na tabelinha aceita pela Igreja Católica, a pílula expandiu de 100 para 400 o número de menstruações ao longo da vida fértil, com consideráveis estragos no organismo feminino.
São 19 ensaios de 20 páginas em média, publicados de 1996 a 2008 na The New Yorker , onde o autor chegou depois de exercer sua curiosidade originalíssima na cobertura de Negócios e Ciências para o The Washington Post.
São peças de rigor e leveza construídas aparentemente sem pressa e sob o simples prazer de escrever um texto envolvente, capaz de fazer pensar e divertir. “Aventuras”, como ele as chama no prefácio, com exagerada humildade.
Tudo o que o jornalismo deveria ser se tivesse tempo e dinheiro para mergulhar com profundidade em cada caso, como têm os jornalistas da The New Yorker, que têm meses para cada investigação.
E, claro, repórteres como Malcolm Gladwell.
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