Você sabe hoje do poder do meme e já deve ter se esquecido que ele já se chamou viral.
Chamaram de viral no longínquo 2009, quando o mundo tomou conhecimento em poucas horas de Susan Boyle, aquela britânica baixinha e sem jeito que derrubou o preconceito dos jurados ao entoar como diva de ópera I Dreamed a Dream , da ópera Les Miserables.
Lembra?
Em nove dias, tinha sido visto por 100 milhões de pessos.
Ou da Luíza, a que foi para o Canadá, lembra?
Em poucos dias, o Brasil inteiro ficou sabendo do comercial chinfrim de apartamento, de um estado longínquo do nordeste, em que o pai enfiava do nada o nome da filha Luiza, “que foi para o Canadá”.
Ou de Kony, documentário de 29 minutos sobre a exploração de crianças por um líder guerrilheiro de Uganda. Já era 2012. Precisou de apenas seis dias, desde seu primeiro espectador, para passar de 100 milhões de visualizações.
O nome viral vinha de vírus mesmo, desses de qualquer doença epidêmica — fixa-se, contagia, se espalha rápido e desaparece como veio, deixando pequenas ou grandes sequelas.
E pode ter sido inspirado, se não foi, em O Ponto da Virada (The Tipping Point) , de Malcolm Gladwell, um livro de 1999 que já previa o poder de contágio das redes sociais antes de sua existência
Era ainda o tempo do email é que começava seu reinado como possibilidade de as pessoas construírem redes de relacionamento.
O jovem jornalista da revista The New Yorker (39 anos) tem, além deste, dois outros livros altamente instigantes:
- Fora de Série ( Outliers ), em que investiga as razões do sucesso e do fracasso, e
- O Que Se Passa Pela Cabeça dos Cachorros, coletânea de ensaios sobre as motivações humanas a partir da escolha de produtos e serviços, desde uma marca de ketchup a um tipo de tintura de cabelo.
Em O Ponto da Virada , ele tenta entender a lógica por trás da propaganda boca a boca que impulsiona epidemias de consumo , que as redes sociais viriam automatizar.
Parte do entendimento da mecânica de disseminação das epidemias de doenças contagiantes e do pânico que elas geram.
Começa mapeando a migração do vírus da sífilis em Baltimore e de uma epidemia de gonorreia no Colorado, para entender seus agentes disseminadores e os fatores determinantes de seu contágio.
Daí para investigar como que um sapato fora de moda caiu no gosto de uma rapaziada irreverente no centro de Manhattan e, em dois anos, se espalhou como febre por todos os grandes shoppings do país.
Ou como a criminalidade explodiu e em pouco tempo arrefeceu em Nova Iorque.
Ou ainda como que jovens começaram a fuzilar colegas em escolas, em todo o país, desde que o primeiro deles disparou um grupo numa escola de Columbine, em abril de 1999.
Os agentes da propagação
Acaba identificando os três agentes chave na propagação de ideias, produtos, tendências e comportamentos:
- os Experts, que os descobrem;
- os Comunicadores, que os espalham; e
- os Vendedores, que os multiplicam.
As epidemias sociais são suscitadas pelo esforço de um grupo de pessoas excepcionais. O que as caracteriza não é o apetite sexual (como no caso da propagação da sífilis), mas o nível de sociabilidade ou de energia, de conhecimento e de influência que apresentam entre os colegas. (…) Uma dessas pessoas excepcionais descobriu a tendência e, por meio de seus contatos sociais, de sua energia, do seu entusiasmo e da sua personalidade, espalhou a novidade.
Contribuem para seu sucesso o Fator de Fixação, aquela ideia indiscutível que cola como chiclete (“Minha filha Luíza, que foi para o Canadá”) e o poder do contexto.
Aí, de como coisas aparentemente sem importância — ou mensagens simples e bem estruturadas — podem fazer grande diferença, como o fim das pichações no metrô de Nova Iorque contribuiu para sinalizar um ambiente de ordem que influiu na queda dos crimes.
O ponto de virada se dá em um ponto súbito em que, como nas epidemias de doenças, uma ideia (vírus) se fixa e o contexto (corpo/ambiente) favorável completa o serviço.
Aos interessados em produzi-los cabe criar a melhor mensagem e interpretar bem o contexto.
Curioso que, tendo antecipado sem o querer a ideia de multiplicação virótica por redes de relacionamento, Malcolm Gladwell parece também ter, sem ter pretendido, vaticinar sobre os riscos da saturação de informação.
Que podem também levar ao seu contrário — o dia em que, soterradas de mensagens, as pessoas buscarão relacionamentos mais duradouros e informações com aqueles poucos por quem têm admiração e respeito.
Os tais Experts, Comunicadores e Vendedores que você ouve no grande boba a boca virtual do mundo moderno.
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