Daqui a 3 mil anos, quando mentes brilhantes forem analisar o passado antigo, esse início de século XXI será visto como uma dessas mudanças fundamentais, ou um ponto de inflexão na história da humanidade, como foram a invenção da imprensa por Gutemberg, o surgimento do Estado Nação e a revolução industrial.
Com uma velocidade e uma abrangência incomparáveis: as outras três ocorreram em décadas e abrangeram partes relativamente pequenas do planeta. A deste tempo é rápida e totalizante.
É a era em que o ser humano, em qualquer ponto, passou a ter o poder de criar, moldar e disseminar informações com a ponta dos dedos, animar objetos inertes com minúsculos fragmentos de inteligência artificial, em conexão num campo global de cooperação para produzir de planilhas a aviões. Em que qualquer indivíduo, de sua casa, pode produzir a colocar em circulação o maior sucesso, a última grande invenção ou o estopim de uma revolução.
Enquanto a força dinâmica na Globalização 1.0 foi a globalização dos países e, na Globalização 2.0, a das empresas, na 3.0 a força dinâmica vigente (aquilo que lhe confere seu caráter único) é a recém-descoberta capacidade dos indivíduos de colaborarem e concorrerem no âmbito mundial.
Nele:
- O trabalho e o capital intelectual podem ser realizados em qualquer parte, colaborativamente, na produção de computadores a aviões. A combinação de cabos de fibra óptica, tecnologias avançadas de compressão e software de fluxo de trabalho aeronáutico que permitem retalhar qualquer operação e enviar para Bangalore, Pequim ou Moscou. A HP mobiliza 250 mil funcionários uma cadeia de suprimentos em 170 países. A Boeing desenvolve e fabrica projetos com astronautas russos, técnicos japoneses e operários chineses.
- Médicos, palestrantes, editores e agências de notícia americanos, valendo-se do fuso horário, enviam no fim da dia à India tomografias, discursos, livros e pautas para receberem na manhã do dia seguinte análises, powerpoints, livros e notícias formatados. Pais contratam aulas particulares de matemática, ciências ou inglês de professores indianos.
- Velhinhas de Salt Lake City atendem dentro de casa a sua reclamação de desvio de bagagem em um avião da Delta, estando em Londres, em Israel ou na China. Linhas de telecomunicações baratas, rápidas e confiáveis permitem que atendentes em Colorado Springs conversem com os clientes do drive thru do McDonalds no Missouri, tirem uma foto digital destes, mostrem o pedido numa tela para conferirem se está certo, e em seguida o enviem, junto com a foto, para a cozinha do restaurante.
- Um indivíduo isolado num canto do mundo, com um blog obscuro ou um vídeo de um anônimo antecipa ou desmoraliza informação dos conglomerados de comunicação e fulmina do dia para a noite reputações construídas em uma vida. Jornalistas independentes frustrados com a coleta tendenciosa, incompleta, seletiva e/ou incompetente por parte do mainstream da mídia desmoralizam monstros sagrados da velha ordem e do velho modelo de imprensa sustentada por capital de difícil acumulação.
- Militantes com um celular fazem a revolução. Os geeks terroristas da al-Qaeda estão cada vez mais enviando arquivos pela internet com suas próprias reportagens, ameaças e seus discursos, sem esperar que a BBC ou a CBS venha falar com eles, e levam suas mensagens de terror diretamente para o seu computador, via AOL ou MSN.
É um mundo horizontal, em que qualquer um pode entrar no grande jogo, qualquer pequeno pode ficar grande e todo grande, empresas e corporações públicas e privadas, têm que pensar pequeno para atender demandas que podem ser tanto globais quanto locais. Uma glocalização.
É um mundo plano, na elaboração simples e definitiva do jornalista americano Thomas Friedman, no seu fabuloso O Mundo é Plano, o maior e mais abrangente apanhado das causas, potências e implicações da internet para se entender essa era.
É um contraponto ousado, um tanto pretensioso, mas justificadamente respeitável no tempo e no espaço com a descoberta por Cristóvão Colombo de que a terra era redonda, mais de 500 anos antes.
Era 2004 e ele fora dormir com a descoberta equivalente à que assombrara Colombo, 500 anos, depois de caminhar entre vacas em estradas esburacadas no interior da Índia e topar com prédios colossais de aço e vidro de gigantes como GE, Microsoft, Dell, SAP, HP, Sony, Accenture. Dentro de suas instalações futuristas, painéis de led ligavam os cantões daquele país que julgava atrasado a cadeias de suprimento do Himalaia à Escandinávia, jovens engenheiros conversavam em inglês com clientes e fornecedores do Alasca à Patagônia, em grandes baias de telemarketing.
— Querida — sussurrara então à mulher, entre travesseiros —, acho que o mundo é plano.
Assim como o descobridor da América chegava à Índia em busca dos bens físicos mais valiosos de seu tempo — metais, sedas e especiarias — esse redescobridor do novo papel da América, jornalista de economia e Tecnologia do New York Times, almejava componentes e os bens lógicos de maior valor de nosso tempo: algoritmos complexos, trabalho intelectual, call centers, protocolos de transmissão, as últimas novidades da engenharia óptica.
Criticado por ter exagerado em certa medida na metáfora, reconhece que pode ser tido “uma liberdade poética que facilita a compreensão de muitas coisas”. Mas, se o mundo não é mesmo plano, como dizem seus críticos, “também é verdade que nunca mais foi redondo”.
Início da aceleração da internet
Escrito em 2004, com atualizações em 2005 e 2007, O Mundo é Plano capta o início da aceleração da internet como negócio bem sucedido e da abertura de fronteiras infinitas de potencialidades de que era possível apenas exagerar.
— Estamos no fim do início — captou numa conversa com Carly Fiorina, então presidente da HP, numa análise da explosão da bolha ponto.com, do início do século, quando se apostava que a indústria da internet seria um blefe.
Estava-se, ao contrário, no pleno vapor das dez forças niveladoras determinantes para o achatamento do mundo, que ele localiza entre 1990 e 2000, da queda do Muro de Berlim combinada com a difusão dos computadores pessoais e seus primeiros browsers, até as tecnologias de digitalização, compressão e compartilhamento via wireless que permitiram a qualquer um, em qualquer lugar, produzir e compartilhar seu próprio conteúdo.
São elas:
Força 1 – O surgimento do PC com Windows aliado à queda do Muro de Berlim, em 9 de novembro de 1989. A difusão de computadores pessoais, aparelhos de fax, Windows e modens conectados a uma rede de telefone global deram aos indivíduos o poder de criar, moldar e disseminar informações com a ponta dos dedos. A queda do Muro liberou forças que acabariam libertando todos os povos dominados pelo Império Soviético — mas, na realidade, fez também muito mais que isso: inclinou a balança do poder mundial para o lado dos defensores da governança democrática, consensual, voltada para o livre mercado, em detrimento dos adeptos do governo autoritário, com economias de planejamento centralizado.
Força 2 – O primeiro browser que redundaria no Netscape permitiu criar, organizar e ligar documentos, de forma que qualquer usuário pudesse ver sua criação de qualquer parte. Foi chamado de “a World Wide Web de Tim Berners-Lee”, cientista de computação britânico que a revista Time de 14 de junho de 1999 apresentou como um dos homens mais importantes do século XX, comparável ao inventor da lâmpada elétrica, Thomas Edison, que, entretanto, trabalhava em equipe. “O processo mágico pelo qual palavras, músicas, dados, filmes, arquivos e imagens transformassem em bits e bytes (isto é, combinações de 1s e 0s), que, por sua vez, podem ser manipulados numa tela de computador, armazenados num microprocessador ou transmitidos por satélites e cabos de fibra óptica” foi considerado uma das maiores invenções da era moderna e fez com os usuários da internet saltassem de 600 mil para 40 milhões nos primeiros anos da década de 1990. A chegada do Windows 95 com seu próprio browser instalado ampliou a conectividade para milhões e gerou uma demanda por tudo o que fosse digital que deflagrou o boom da internet. “Um acontecimento catalítico”, diz Friedman.
Força 3 – Software de fluxo de trabalho, que permitiu a produção compartilhada numa cadeia de fornecimento global. Até numa produção artística, como um desenho animado. Na época em que o livro estava sendo escrito, uma equipe do Disney Channel produzia a série Higlytown Heroes mobiliando estúdios em Nova York e Los Angeles, roteiristas em Chicago, Flórida, Los Angeles, Nova York, São Francisco e Londres, além de animadores em Bangalore.
Força – 4 – Uploading – Enquanto Microsoft, IBM, Oracle e Netscape tentavam construir servidores web comerciais, um bando de geeks criaram o Apache, que tornou possível “subir” e compartilhar arquivos.
Força 5 – Terceirização. A possibilidade de compartilhar informação e arquivos casada com a disponibilidade de cabeamento ótico, somado à redução dos custos de banda larga e ferramentas, possibilitou a compra de inteligência. As centrais de telemarketing na Índia foram o início de um processo avassalador que se ampliou para prestação de outros serviços compartilhados.
Ver meu artigo: O caso da Índia e por que perdemos todos os bondes da história
Força 6 – Offshoring – Enquanto na terceirização, transfere-se determinadas funções de sua produção, o Offshoring trouxe o conceito de que poderia transferir uma fábrica inteira de um país para outro onde houvesse mão de obra mais barata, menor carga tributária, energia subsidiada e menores gastos com planos de saúde. Assim como o excesso de estradas de fibra ótica e o bug do Milênio projetaram a Índia, a entrada da China na OMC abriu as portas do país para que fábricas inteiras dos EUA se mudassem para utilizar os recursos e a mão de obra baratas disponíveis.
Força 7 – Cadeia de Fornecimento. A conexão fácil criou um modelo horizontal de colaboração entre fornecedores, lojistas e clientes que mudou a toda a relação de força entre eles. Assim que o código de barras de um produto passa pelo caixa do Walmart, um fornecedor em alguma parte do mundo recebe a notificação de que precisa enviar outro para a indústria que vai produzi-lo, se for um componente, ou para um dos centros de distribuição que mais parecem rios de esteiras rolantes, empacotamentos e caminhões, sem precisar formar estoque. No caso da HP, que fornecia então 400 mil computadores em época de Natal para os 4 mil Walmarts no mundo, casa passagem do código de barras aciona um movimento de fabricação em parte dos 170 países em que ela está presente.
Força 8 – Insourcing ou Internalização. Como muitas empresas não têm como organizar uma cadeira de suprimentos mundial, empresas de logística como a UPP passaram a fazer mais que a logística: internalizaram o trabalho da empresa. “Os engenheiros penetram no coração da empresa e analisam seus processos de fabricação, embalagem e remessa para então estruturar, reestruturar e gerenciar sua cadeia de fornecimento global”. Ao invés de pegar na sua casa o computador Toshiba com defeito, mandar à fábrica e devolvê-lo, ela mesma conserta. Se você encomenda um sapato da Nike, ela mesmo pega no estoque e o embrulha. Ela pode tanto colocar caminhões com o logotipo da pizzaria e se responsabilizar pela coleta dos ingredientes – tomate, molho, cebola — quanto desenvolver embalagens especiais junto ao fornecedor para transportar peixes ornamentais vivos.
Força 9 – In-formação. Com os sites de pesquisa e os vários buscadores, “nunca tanta gente, por conta própria, teve a possibilidade de encontrar tantas informações sobre tantas coisas e sobre tantas pessoas”. Como lhe disse em 2001 Sergey Brin, o cofundador do Google, muito antes de o site se tornar o organizador do caos de informação do mundo moderno, “quem possuir conexão por banda larga ou discada ou tiver acesso a um ciber-café, um garoto do Camboja pode ter acesso à toda informação contida na biblioteca do mundo todo”. E ajudar a produzi-la na primeira enciclopédia colaborativa universal, a Wikipedia, então dando os primeiros passos.
Força 10 – Estereóides – As tecnologias de digitalização, compressão e compartilhamento via wireless amplificaram e potencializam todas as demais forças niveladoras decorrentes do compartilhamento universal (terceirização, offshoring, código aberto, cadeia de fornecimento, internalização e in-formação), possibilitando a sua realização de modo “digital, móvel, virtual e pessoal” de todos os conteúdos e processos. Tudo pode ser digitalizado para ser moldado, manipulado e transmitindo para ser virtual, móvel e pessoal.
Já nessa época em que os telefones celulares só falavam e as máquinas móveis mais famosas eram ilhas, como o Ipod ou o Ipaq, Thomas Friedman detectou o que chama de tripla convergência: o momento especial da história da humanidade em que 3 bilhões de pessoas convergiram com o terreno nivelado e milhões delas viram-se capazes de concorrer e colaborar em pé de igualdade, de maneira horizontal e com ferramentas mais baratas e mais prontamente disponíveis que antes. Resume:
“No ano 2000, pessoas físicas e jurídicas começaram a adotar hábitos e processos e a desenvolver habilidades e explorar as possibilidades. Modos verticais passaram a ser horizontais. Com a queda do muro, o PC, a Netscapte, o fluxo de trabalho, a terceirização, a internalização, reforçaram uns aos outros num ponto de virada do nivelamento que se deu em algum momento de 2000. Elas não sabiam descrever o que estava acontecendo, mas por volta de 2000 começaram a perceber que estavam em contato com pessoas com as quais nunca haviam feito contato, sendo desafiadas por pessoas que nunca as havia desafiado, competindo com as quais nunca havia competido, colaborando como nunca havia colaborado e fazendo coisas que nunca havia imaginado fazer.“
Impactos na educação e na geopolítica
“Antigamente se dizia que, conforme estivesse a General Motors, assim também estariam os EUA”, escreve ele, para corrigir: “hoje, contudo, o que se pode dizer é que, conforme estiver a Dell, assim também estarão a Malásia, Taiwan, China, Irlanda, Índia…”
Naquele ano de 2004, a HP tinha mais de 150 mil funcionários espalhados por 170 países, cerca de 35% da fuselagem do novo Boeing 787 eram fabricados no Japão e outras partes importantes seriam feitas ou projetadas na Europa, Rússia, China e em outros lugares, ainda que a Boeing (que tem sede em Chicago) fosse geralmente conhecida como “o maior exportador americano”.
As plataformas de fluxo de trabalho já estavam fazendo pela indústria de serviços o que Henry Ford fez pela produção, comparava então Jerry Rao, um dos empreendedores que, da Índia, prestava serviços de contabilidade aos americanos:
— Estamos fragmentando cada tarefa, padronizando-a e enviando-a para quem puder realizá-la melhor; como isso se dá num ambiente virtual, os participantes não precisam estar fisicamente próximos uns dos outros. Depois, é só voltar a juntar os pedaços na sede [ou qualquer outro lugar]. É uma revolução que não tem nada de trivial.
Com as facilidades do inglês e a super infraestrutura de fibra ótica que país herdou da implosão da bolha da internet, os indianos já escreviam textos para agências de notícias internacionais, davam aulas virtuais para americanos, analisavam radiografias para médicos de Nova York, desenhavam animações para Hollywood e atendiam passageiros das aéreas americanas em suas oceânicas plataformas de telemarketing.
“Estamos ingressando numa fase em que assistiremos à digitalização, virtualização e automação de praticamente tudo. Os saltos de produtividade serão colossais para os países, empresas e indivíduos capazes de absorver as novas ferramentas tecnológicas. E mais: está se inaugurando uma fase em que todos, mais do que nunca, na história mundial, terão acesso a essas ferramentas — como inovadores, colaboradores e, infelizmente, até como terroristas. Não queriam uma revolução? Para onde quer que olhemos, vemos hierarquias sendo desafiadas de baixo para cima ou deixando de ser estruturas verticais e se horizontalizando, tornando-se mais colaborativas.“
É o impacto que Karl Marx e Friedrich Engels sonharam no Manifesto Comunista de 1848, como nota no livro o teórico político de Harvard, Michael J. Sandel: a marcha inexorável da tecnologia e do capital rumo à remoção de toda e qualquer barreira, fronteira, atrito e restrição ao comércio global. Friedman completa:
“No Manifesto Comunista, ele descreve o capitalismo como uma força fadada a dissolver todas as identidades feudais, nacionais e religiosas e dar origem a uma civilização universal, regida por imperativos do mercado. Todas as relações fixas, seguras, cristalizadas, com sua comitiva de antigos e veneráveis preconceitos e opiniões, são varridas, e aquelas recém-constituídas tornam-se obsoletas antes mesmo de se ossificarem. Tudo o que é sólido desmancha no ar, tudo aquilo que é sagrado é profanado, e o homem finalmente se vê compelido a encarar, com sobriedade, suas verdadeiras condições de vida e suas relações com seus pares.“
Não por acaso, a entrada da ex-comunista China no comércio mundial é considerada por Friedman uma das dez forças mais avassaladoras do achatamento do mundo, na medida em que provocou impactos nas duas bandas, a desenvolvida e a em desenvolvimento. O país que vinha quebrando todas as barreiras desde que Deng Xiaoping disse que “não importa que o gato seja branco ou preto, desde que cace os ratos”, mudou os ricos por atrair seus investimentos e os pobres, por forçá-los a mudar.
Já no final dos anos 90, quatrocentas das 500 empresas listadas na Forbes investiam em mais de 2 mil projetos no país que, a essa altura, só na área do delta do Zhu Jiang, ao norte de Hong Kong, já tinha 50 mil fabricantes de componentes eletrônicos. De 160 cidades com mais de um milhão de habitantes no leste, onde era fabricada a maior parte dos isqueiros ou das armações de óculos do mundo, a Dell tirava a maior parte de seus monitores. Para contrabalançar o risco de que agitações políticas pudessem vir a “desnivelar a China”, as empresas passaram a distribuir parte de sua produção para outros países e contribuir na horizontalização do mundo.
Inspirados ou pressionados pela avalanche, países em desenvolvimento como México, Brasil, Rússia e Índia avançaram durante os anos 90 em “estratégias mais orientadas para a exportação e voltadas para o livre mercado, baseadas na privatização de empresas estatais, desregulamentação dos mercados financeiros, ajustes do câmbio, investimentos estrangeiros diretos, subsídios decrescentes, rebaixamento de barreiras tarifárias protecionistas e introdução de legislação trabalhista mais flexível”.
“Pessoas pobres saem da pobreza quando seus governos criam um ambiente em que trabalhadores instruídos e capitalistas têm a estrutura física e legal que facilita iniciar negócios, levantar capital e se tornar empresário, e quando eles submetem seu povo a pelo menos alguma concorrência de fora — porque empresas e países com concorrentes sempre inovam mais, melhor e mais rápido.“
Premonitório em muitos sentidos, O Mundo é Plano detecta como inevitável o avanço dos países do terceiro mundo na produção de bens baratos (laptops, celulares e até seguros mais baratos) e um esboço de protecionismo que adviria do medo do estrangeiro. Como veio a se saber pouco mais de 10 anos depois, daria na saída da Inglaterra da União Europeia, na eleição de Donald Trump nos EUA e em Emmanuel Macron na França. Escrevia ele, então:
“Até agora, os EUA não sucumbiram nem aos protecionistas econômicos, que querem propor barreiras para manter empregos, nem aos protecionistas da segurança nacional, que querem manter os trabalhadores fora. (…) Uma coisa que não podemos fazer é tentar “procurar a prosperidade pela proteção”.
Ele exemplificava como que os próprios EUA se beneficiavam do novo fenômeno mundial, com o caso da General Motors.
Ao construir uma fábrica em Xangai, “acaba criando empregos também nos Estados Unidos, na medida em que exporta muitos bens e serviços para suas próprias instalações na China e aproveita os custos menores das peças chinesas nas suas fábricas nos EUA”. Em Minnesota, a Global Insight estimava que foram criados 1854 empregos em decorrência da terceirização do trabalho para o exterior em 2003 e que, até 2008, outros quase 6700 seriam criados. “O software em que todo esse sistema se baseia provavelmente é fornecido pela Microsoft e os processadores, pela Intel, e jovens indianos, com o dinheiro, devem estar aproveitando para comprar computadores pessoais baratos da Apple, Dell ou HP.”
“Fizemos a transição da agricultura para a indústria, e então da indústria para os serviços. Agora precisamos ir para a próxima fase, que é de serviços distribuídos globalmente. É muito fácil demonizar os mercados livres — bem como a liberdade de terceirizar e fazer offshoring — porque é muito mais fácil ver pessoas sendo demitidas em massa, o que rende manchetes, do que vê-las sendo contratadas em grupos de cinco ou dez por empresas pequenas e médias, o que raramente é notícia.”
Até porque não dá para parar a marcha da história.
“As evidências me parecem irretorquíveis: basta olhar o curso da História para constatar que sempre que há uma expansão do comércio e das comunicações, a atividade econômica e o padrão de vida dão um salto.“
Diferenciar informação e sabedoria
No ano em que o livro foi lançado e o mundo deixava de ser redondo, um blog era criado a cada sete segundos, à média de 70 mil por dia, que dobraria em cinco meses os então 24 milhões existentes.
Foi escrito sob o impacto da primeira devastação provocada por um desses blogs na reputação de um dos símbolos sagrados do jornalismo tradicional americano, o editor e apresentador da CBS News, Dan Rather. Ele havia usado documentos falsos para provar que o presidente George W. Bush utilizara as relações da família para entrar para a Guarda Nacional e, com isso, ficar livre da convocação para o Vietnã.
— Foi como riscar um fósforo sobre madeira ensopada de querosene — escreveu Howard Kutz, do Washington Post, citado por Friedman para enfatizar o poder dessa tribuna que iria se ampliar exponencialmente em escala global (as redes sociais ainda engatinhavam) e destruir reputações no varejo.
— Não queriam uma revolução? — perguntava o autor de O Mundo é Plano muito antes de terroristas do EI postarem vídeos de decapitação no Youtube.
O que o remete à questão de ensinar os jovens a “navegar no mundo virtual e a peneirar e separar o ruído, a sujeira e as mentiras dos fatos, da sabedoria e das fontes reais de conhecimento”.
“Aprender a como aprender, incutir neles a habilidades de navegação, a aptidão para separar a verdade da ficção nesta cloaca a céu aberto de informações, fatos, opiniões, mentiras e meias verdades chamada World Wide Web. (…) O desafio para a próxima geração de pais, educadores e pensadores será não a disseminação de informação, mas mudar a maneira como as pessoas diferenciam informação de sabedoria.“
Avançando um pouco mais, ele cita Marc Tucker, diretor do Centro Nacional de Educação e Economia, para falar de criatividade: “O que sabemos sobre a criatividade é que ela ocorre quando pessoas que dominam dois ou mais campos bem diferentes usam a estrutura de um para pensar o outro de uma forma nova.”
“Intuitivamente, você sabe que isso é assim. Leonardo da Vinci foi um grande artista, cientista e inventor, e uma especialidade alimentava a outra. Ele foi um grande pensador lateral. Mas, se você passa a vida toda em um silo, nunca terá o conhecimento nem a agilidade mental para fazer a síntese, conectar os pontos, que é geralmente onde está a próxima grande transformação.“
O homem bem sucedido nesse mundo plano deverá ter “um nível muito alto de preparação em leitura, escrita, oratória, matemática, ciências, literatura, história e artes”, para conectar história, artes, política e ciências e desenvolver a capacidade de conectar os pontos olhando à frente.
[…] O poder da internet e as dez forças que tornaram o mundo plano […]