Úrsula Iguarán, a matriarca da família que viveu Cem Anos de Solidão na obra fundadora do realismo mágico, foi ficando cega quando na decrepitude de seus últimos anos de luz, mas era a única na casa que achava objetos perdidos. Como sua solidão sem remédio a fazia mais atenta que os outros pelos caminhos que seus descendentes percorriam dentro da casa, ela ia percebendo mais do que ninguém os hábitos que faziam com que coisas e pessoas se desencaminhassem.
A lembrança da maior personagem de Gabriel Garcia Marquez me ocorre quando leio a confirmação de que ele está senil, aos 86 anos, e que não mais escreverá. Deixa inacabados dois livros – Tigra e Agosto nos vemos – e a segunda parte da biografia Viver para Contar , que eu tanto esperava. Meio como Úrsula no fim dos seus dias, ele foi para mim umas principais influências, com seu olho especial – de dentro de sua solidão – para compreender como poucos as limitações, grandezas e misérias da alma humana.
As vivências com que montou um catálogo de sabedoria sobre a alma humana são, ouvidas de longe, banais. Mas foi seu olhar de Úrsula Iguarán que as tornou transcendentais, sentidas e compreendidas em qualquer canto.
Triste que este catálogo sem similar se feche sem alternativas, sem que haja outro olho cego à vista para supri-lo.
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