Joaquin Phoenix tem lábio leporino, aquela fissura sobre a boca, decorrente da má formação e cicatrização da fenda do palato. Pequena, embora marcante, a cicatriz dificulta dissociar seus personagens dele mesmo, por melhor que seja sua interpretação. Alguns grandes atores, como José Wilker, Paulo César Pereio ou o Jack Nicholson de alguns filmes, raramente deixam de ser eles mesmos, mas por opção interpretativa.
Há quem goste desse chamado distanciamento crítico do personagem, uma sofisticação intelectual de certos atores, que se colocam o desafio de interpretar com visão crítica. Manter uma certa distância do personagem, como se risse dele. Nunca ‘entrar’ em sua alma, incorporá-lo mediunicamente, como se diz. Como Robert de Niro fazia, engordando e emagrecendo, em seus bons tempos.
Para mim, atores assim deveriam fazer um filme só. E obrigado pela contribuição ao cinema. Para atores como Joaquin Phoenix, que mergulha sem medo em suas encarnações, é particularmente desafiador para ele e diletante para o público tentar dissociar seus personagens dessa particularidade física que os tornam tão Joaquin Phoenix.
Em O Mestre, em que, não por acaso, ele concorre ao Oscar de melhor ator, é possível na maior parte do tempo esquecer que ele está de corpo presente. Por convicção ou inconsciência, ele acabou incorporando sua particularidade à do personagem.
Aqui, a cicatriz que entorta seu rosto levemente para a esquerda parece um elemento imprescindível ao personagem desajustado, totalmente torto e errante, desconfortável nos gestos, nos termos mal ajambrados e na vida, tendo sempre que ir para frente para não retornar aos braços da mulher que poderá lhe dar paz. Uma composição em tudo desconfortável e estranha como a fissura sobre o lábio inferior.
É um neurótico da Segunda Guerra, à beira da demência, que duela em igualdade de condições com outro ator extraordinário, Phillip Seymour Hoffman (seu Truman Capote, de 2005, é mediúnico), o tal mestre de uma seita esquisita que se obriga a missão de salvá-lo, numa relação também neurótica em que não fica claro qual dos dois é que precisa ser salvo.
Candidatos a melhor ator e coadjuvante – além da presença ao mesmo tempo forte, delicada e oscarizável de Amy Adams – salvam este filme sem grandes emoções, lições morais, ensinamentos e, mesmo, propósitos. O diretor Paul Thomas Anderson gosta desses anti-heróis erráticos, quase abjetos, sem nenhuma redenção e possibilidades de vitória.
Como fez com Daniel Day-Lewis, em Sangue Negro, de 2007. O sujeito que descobre um poço de petróleo, fica rico, mas para quem a sorte parece mais um peso a arrastar com todos os sofrimentos que ela implica.
Me lembrou o alemão Wim Wenders de Paris, Texas, sobre o sujeito bêbado e problemático que precisa caminhar aos solavancos de volta para reencontrar a mulher que vai lhe dar paz (no caso, a belíssima Natassja Kinski, na flor da mocidade). Tudo muito longo, arrastado, desértico, forte, mas meio chato.
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