No início do ano, Paula Fernandes foi ao Faustão receber um prêmio vestindo uma blusa de cetim verde bandeira enfiada numa saia rasgada no joelho. Há dias, compareceu a um show em Muriaé dentro de um vestidinho amarelo de bolas pretas, saia rodada de tule e luvas brancas, como uma bailarina pobre de caixinha de música.
As duas imagens, com comentários meus no Facebook sobre a conveniência de ela comprar um vestidinho básico no primeiro shopping da esquina, ao invés de investir em soluções caseiras, desencadeou um debate febril sobre o direito da moça – jovem, bonita e bem sucedida – de se vestir do jeito que lhe convém.
Como em geral perco uns cinco minutos de sono por noite para tentar entender o impacto das ações dos mitos sobre o inconsciente coletivo, venho desde então mergulhando em algumas implicações do fenômeno:
1.A questão da personalidade relacionada à roupa. Paula Fernandes deturpa nosso sentido de análise na medida em que o que veste não condiz com o que pensa.
2.A velha polêmica do que pode ser considerado bom ou mau gosto, dada a precária capacidade de avaliação humana, e suas repercussões sobre códigos de beleza. O que é belo, afinal? Do ponto de vista de Paula Fernandes, não estaremos todos mal vestidos?
3.O poder dos mitos como reflexo das projeções humanas, em torno dos quais homens e mulheres de todos os tempos projetam seus desejos e frustrações. Paula Fernandes tem consciência de seu poder de espelho sobre seus seguidores, como os jogadores de futebol que, de vida desregrada, ignoram seus maus exemplos sobre os jovens?
4.Nenhuma das respostas anteriores.
Vou ao Google como sempre faço quando assaltado por dúvidas semelhantes – como a teoria do caos, a física quântica ou o fim do universo – e espremo as sinapses para tentar alguma síntese que me absolva e me dê paz. Mas não encontro respostas. As melhores explicações disponíveis estão nos sites de especialistas de moda e parecem mais bem prosaicas.
Bia Bonduki, do site Jezebel, chega a listar o que considera os dez modelos mais desastrosos da cantora, desfilados em apenas um show (veja abaixo). “Um mix de informações – short jeans, corselet de cetim rosa, bolero cheio de frufrus e ankle boots pink volumosas – que quase tirava a atenção do que ela estava cantando”. Ela sugere à moça a demissão de seu estilista e, caso não o tenha, a contratação de um bom profissional da área, para que suas precárias opções fashionistas não ofusquem seu talento e suas virtudes profissionais. Para Heloísa Marra, opções como os tops franjados, o macaquinho de veludo e a sainha de apresentadora de programa infantil soam totalmente inadequados à sua personalidade de cantora sertaneja.
Essa desincronia entre o produto e sua mensagem, o que se é e o que se pretende, é a iluminação que me faltava. Pode ser todas as discussões suscitadas tenham a ver com o estranhamento comum à espécie humana diante de algo que acaba se mostrando o contrário do que aparenta.
Ora, como podemos conceber como talentosa, inteligente e refinadamente bonita alguém de gosto estético tão precário? A palavra “mau-gosto” paira ameaçadoramente acima da minha cabeça, ansiando por ser utilizada, mas percebo que todos os que tratam do assunto resistem a usá-la, talvez pela oura série de considerações que ela comporta.
Vou continuar não entendendo as opções dela, que dizem respeito a suas convicções mais íntimas – mesmo que equivocadas para alguns ou, digamos, de “mau-gosto” – mas já consigo fazer um acordo com minha consciência. Ela é dessincrônica.
Independente do seu caráter, do que ela pode pensar a respeito de minhas roupas ou da consciência de seu fascínio de mito sobre homens e mulheres das próximas gerações… sim, ela é dessincrônica.
Já posso dormir em paz.
Os dez mais, segundo Bia Bondu
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