Sabrina Sato é um caso emblemático. Não tem ocupação clara, profissão definida ou competência reconhecida em nenhuma atividade regular – atriz, apresentadora ou modelo. Mas ganhou fama suficiente para licenciar produtos e ganhar um bocado de dinheiro apenas com sua presença, suas pernas e seus decotes. Seu poder não vem de capital econômico, menos do capital social de seus relacionamentos e menos ainda do capital humano, já que faz questão de ostentar uma certa ignorância sobre conhecimento teórico.
Seu poder é o erótico, na linha que defende Catherine Hakim, professora do Center for Policy Studies, de Londres, em livro publicado no ano passado (editora Best.Business). Especialista em sociologia no mercado do trabalho, força de trabalho feminina e teorias sobre a posição da mulher na sociedade, ela teoriza sobre o que chama de quarto capital, o capital erótico, tão poderoso quanto os outros três – econômico, social e humano – para ascensão profissional, mas pouco estudado, bastante subestimado e em geral combatido quanto a seu uso, principalmente pelas mulheres com cabeça de homem.
Ela não estudou Sabrina Sato e nem é preciso exemplos mais ostensivos para entender as horas gastas pelas mulheres em academias e salões de beleza. Consolida tudo o que existe de pesquisa relevante sobre estudo de gêneros e comportamento sexual para provar que pessoas atraentes, carismáticas e que sabem utilizar seu capital erótico, ostensiva ou sutilmente, são mais bem sucedidas. E defende com todas as letras que as mulheres tomem consciência e utilizem esse capital para conquistar poder, dinheiro e felicidade.
O poder desse capital deriva principalmente do que ela chama de “déficit sexual masculino”. O homem tem comprovadamente, biológica ou culturalmente, mais desejo e necessidade sexual que as mulheres. Na quase totalidade das sociedades – com exceção de uma pequena ilha perto de Nova Guiné, onde o sexo é livre desde os seis anos de idade – ele precisa lutar para conquistá-lo e pagá-lo, seja em dinheiro ou em acasalamento. O que explica traições, amantes, pornografia, violência e, em última instância, o poder feminino.
O que o pensamento patriarcal e as feministas fizeram, porém, foi dizer que as mulheres devem dar de graça o que elas podem/devem cobrar.
– Tanto os grupos patriarcais (homens e mulheres) quanto os grupos feministas (homens e mulheres) lutam contra a liberdade das mulheres de explorar seu capital erótico e sua sexualidade e obter a renda e os benefícios máximos por isso.
Ela chega a defender a descriminalização da indústria do sexo, como uma das possibilidades delas tirarem vantagem desse déficit e utilizarem o direito de ganhar com o entretenimento que oferecem.
– A única solução para o déficit sexual masculino é a completa descriminalização da indústria do sexo, que poderia ter permissão de prosperar como qualquer indústria do lazer. O desequilíbrio no interesse sexual seria resolvido pela lei da oferta e da procura, como acontece com outros entretenimentos. Os homens provavelmente descobririam que teriam que pagar mais do que estavam acostumados. Jovens atraentes, mas sem recursos, e estudantes poderiam ganhar dinheiro sem temer a perseguição da polícia. Dessa forma, o poder das mulheres nos relacionamentos aumentaria.
A pesquisadora repele como generalização as denúncias de tráfico e escravização das mulheres, como faz a novela Salve Jorge, por contribuírem para a impressão de que a situação é comum no mundo da prostituição. Com base em pesquisas, principalmente as que fizeram Steven Levitt e Stephen Dubner, autores do livro famoso que trata das pequenas questões econômicas embutidas nos comportamentos diários (Freakonomics), ela prova que garotas de programa ganham mais que qualquer outra mulher em profissões regulares. As controladas por cafetão ganham ainda mais, têm mais segurança e acesso a lugares que lhe rendem mais dinheiro e melhores clientes. O que seria uma troca vantajosa.
Mostra que desvios, como a corrupção e o tráfico dentro da indústria do sexo, é tão irrelevante quanto em qualquer atividade. O que ocorre, porém, é que o mundo masculino, apoiado pela maioria do pensamento feminista, utiliza tais exemplos para criminalizar uma indústria próspera, totalmente dominada pelas mulheres, sob o falso argumento de que se trata de exploração da mulher.
Quem explora quem?, a autora parece perguntar, considerando o grau de segurança e confiança que a mulher ostenta nesse mundo, onde não raro está em pé de igualdade ou de domínio sobre o homem. Ou: se os homens podem se utilizar de todos os seus capitais e de todas as artimanhas neles embutidas, por que a mulher não pode fazer o mesmo do seu principal capital?
– Os valores das meritocracias capitalistas do mundo ocidental nos convidam a admirar pessoas que exploram seu capital humano para ganho pessoal. Não vejo razão alguma para não admirar igualmente pessoas que exploram seu capital erótico ao máximo.
A autora culpa as feministas por reforçar a dominação masculina, ao negar às mulheres o reconhecimento e uso de seu poder erótico.
– A humilhação moral que envolve a venda de serviços sexuais se estende a todos os outros contextos nos quais existe uma troca de capital erótico por dinheiro, riqueza, status e poder. O trabalho em atividades adjacentes (como a de stripper) é estigmatizado como lascivo, sórdido, libertino e devasso. Uma bela jovem que aspira a se casar com um homem rico é taxada de “oportunista”, criticada por explorar os homens de maneira injusta e imoral. A lógica implícita é de que os homens deveriam conseguir gratuitamente o que desejam das mulheres, especialmente sexo. Os homens poder ser mercenários, mas as mulheres, não. Elas devem fazer tudo de graça, voluntariamente, por amor. Infelizmente, muitas feministas apoiam essa ideologia em vez de tentar desafiá-la.
O que deriva numa certa conformação feminina, a ponto de elas não reivindicarem o que lhes é justo. Exemplifica com as diferenças salariais entre homem e mulher, que vinham diminuindo, mas pararam de cair em 20 anos, apesar de todo o avanço da mulher no mercado de trabalho. A explicação só pode estar na dificuldade dela em pedir, reivindicar, por não se achar no direito.
– O maior erro do movimento feminista foi dizer às mulheres que elas não têm poder, que são vítimas da dominação masculina inevitável e perpetuamente. Isso rapidamente se torna uma profecia autorrealizável, encorajando as jovens a pensar que não há por que jogar, pois não há possibilidade de ganhar o jogo. O feminismo se tornou parte da razão pela qual as mulheres não conseguem pedir o que querem, e não conseguem obter o que acham justo, especialmente nos relacionamentos pessoais.
Conformada, essa mulher diz, por exemplo: “eu te amo e sou capaz de fazer qualquer coisa por você”. Já o homem diz: “eu te amo e você tem que fazer qualquer coisa por mim”.
– Há um desequilíbrio aí – diz a autora.
Vendo Sabrina Sato, a menina que leiloou a virgindade na internet, modelos ou as celebridades instantâneas que capricham na maquiagem e postam fotos de decotes, pernas e bundas de fora, não há como negar que há um poder erótico pulsante de que as mulheres se utilizam ou estão aprendendo a usar sem medo. As reações de mal estar diante dessa comercialização, que pode mesmo ser uma coisa de homem reforçada pelas mulheres que aprenderam a pensar como eles, parece que vão se dissipando.
Na condição de homem, cristão, católico, ocidental, euro-descendente de herança escravagista e chauvinista, tenho dúvidas se o uso do corpo para ascensão na vida, em detrimento do conhecimento e das relações sociais, é garantia de felicidade. Mas concordo que o outro nome disso possa ser liberdade, com todos os seus riscos.
Como disse a virgem que se leiloou na internet, ao programa De Frente com Gabi, da jornalista Marília Gabriela, na semana passada:
– Eu não chamo de prostituição, chamo de liberdade. Não me arrependo de nada do que fiz.
Na semana em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, é um caso a pensar.
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