Com notas factuais sem contestação, O Antagonista e Crusoé caem no burocratismo da velha imprensa que nasceram para combater.
Se você rolar pela tela de O Antagonista ou de sua derivada Crusoé, não verá muito além do que encontrará nos sites de notícia da imprensa tradicional, a que se opôs como causa e razão de existência.
Fora algumas notas exclusivas e muitos comentários em podcasts ou vídeos, que os jornalões também adotam, virou uma coluna de notas dos principais fatos da hora, em boa parte puramente factuais, em sua maioria acríticas.
Nesse novo Antagonista, é possível ler uma mera nota sobre os novos números da pandemia, outra reproduzindo um comentário de um senador ou a transcrição de um trecho de coluna ou editorial dos grandes, sem qualquer contestação.
É uma sombra do clipping comentado corrosivo e impiedoso contra as imposturas de políticos, artistas, jornalistas e da falsa imparcialidade da grande mídia. Foram os tempos em que pegavam, por exemplo, no pé da colunista Monica Bergamo, da Folha de S. Paulo, que disfarçava mal a assessoria de imprensa que prestava a Lula e ao lulismo.
Acabaram a militância e a mordacidade iconoclasta com que tentava se distanciar do comodismo, do engessamento, do burocratismo e da falsa imparcialidade dos grandes, o diferencial com que nasceu e cresceu, como escrevo neste artigo.
Como todo veículo de imprensa ou canal de comunicação que precisa sair do feudo se quiser crescer, se desfigurou para se adequar a um público mais amplo.
Com mais notícias que iconoclastia e a opinião restrita às colunas, repete o mesmo burocratismo com que se insurgiu. Ficou velho.
O site surgiu no primeiro dia de 2015, no furor da Lava Jato contra o sistema político carcomido do país e de uma imprensa atracada no comodismo da falsa equivalência, aquele negócio cômodo de ouvir o outro lado para dar legitimidade à facção a ser combatida.
Iria enfim combater a falsa imparcialidade da imprensa tradicional, que sempre disfarçou mal suas preferência e nunca as expressou claramente, como fazem os jornais americanos.
Foi quase um fenômeno cultural, melhor reflexo das transformações trazidas pela cultura do blog, que deveria ser enxuto, textos sem casaca intelectual e militante, fortemente engajado numa causa.
“Blogs bem sucedidos têm cara, discurso e lado definido”, escrevi no primeiro dos cinco artigos que tratei do fenômeno no decorrer de sua ascensão e deformação: Cinco coisas e um PS sobre O Antagonista, de Mainardi e Sabino.
E com a mesma capacidade de repercussão, em que um redator solitário (ou três, no caso, com a incorporação do repórter Cláudio Dantas posteriormente ) consegue a mesma repercussão de uma redação de 300 jornalistas sentados em suas toneladas de papel e tinta.
Influência jornalística
Em pouco mais de ano e três meses, essa trincheira de aparentemente dois bacamartes idealistas e iconoclastas, além de um único repórter fuçador, tinha se transformado no mais influente veículo de comunicação do país.
Chegava a 202 milhões de visualizações, atrás apenas da Folha de S. Paulo, o maior jornal do país há mais de três décadas, como escrevi em Militância e mais quatro razões para o sucesso de O Antagonista
Também ficou igual a seus nêmesis no vício de proteger suas fontes além do limite em que perde a noção de estar sendo manipulado por elas ou que tenha incorporado seus interesses, em prejuízo da verdade.
A relação simbiótica com os procuradores da Lava Jato que municiavam seus furos com vazamentos seletivos operou o mesmo tipo de comprometimento que a imprensa tradicional desenvolvia com as franjas do poder.
Para seu azar, o vazamento de conversas hackeadas do Telegram dos procuradores com Sérgio Moro, o juiz que os colocou no centro da maior revolução dos costumes políticos no país, deixou entrever que seus métodos eram os mesmos dos tradicionais. E sua reação, tal e qual.
Com os grandes, o site passou a defender suas posições e a cerrar fileiras com os seus protegidos, sem qualquer autocrítica da falta de limites de seu engajamento. Por consequência, incorporou também como eles uma marca de desconfiança.
É praticamente impossível ler nota ou comentário de O Antagonista hoje, sobre as movimentações do procurador Augusto Aras no embate com os procuradores, sem perceber onde e a que lado o site quer chegar.
O mesmo processo viria a ocorrer com a Crusoé, a revista lançada em maio de 2018 para fazer contraponto aos vícios das tradicionais Veja, Época e IstoÉ, que amargavam também a destruição criativa e avassaladora das mídias digitais.
Com a ideia de ilha afastada do continente da pasmaceira, vinha com o diferencial de muito material exclusivo, engajamento e a coragem de tocar em assuntos tabus que as grandes guardavam por anos na gaveta, como a propalada e nunca tratada riqueza família Lula.
Comprometimento e interesses
Eu escrevi que os compromissos do site com suas fontes já um tanto queimadas e sua patrocinadora Empiricus, que vendia promessa de ganhos financeiros milagrosos com cheio de charlatanismo, poderia levá-la a contemporizar seus interesses, como suas concorrentes.
E o engajamento, sob risco de escolher e esquentar inimigos certos ou errados, poderia ser mais nocivo, ou no mínimo inadequado, numa publicação de maior fôlego, em que matérias mais longas se propõem a contrapor ideias e lados.
Veja em Revista Crusoé tenta ser ilha com os conflitos de O Antagonista
Dez meses depois, a revista tinha sobrevivido a esses riscos e explodia em vendas de assinaturas (70 mil), em linha inversa à perda de leitores das outras. Prevalecia como principal diferencial o engajamento, aquela altura fechada com Jair Bolsonaro, quatro meses depois de sua posse.
Veja em Crusoé dispara com o mesmo jornalismo engajado de O Antagonista
Como em O Antagonista, o engajamento também acabou, até talvez por falta de uma causa em que se antagonizar. Seus heróis morreram todos, digamos, a lembrar da desmoralização que fulminou Sérgio Moro e Bolsonaro. Ou Trump, outra de suas apostas.
Uma deslizada pelo site da revista na data em que escrevo revela uma lista de notícias de agências encontráveis em qualquer outro site de notícias: governo vai inaugurar rodovias, filha de Biden terá cargo, PGR questiona Butantan.
No print da capa da última edição, a matéria principal aborda a guerra infame entre Bolsonaro e o governador João Doria pelo protagonismo eleitoreiro na exploração da primeira vacina: Os Farsantes da Epidemia.
Nada mais parecido com o tipo de opção pelos dois lados que a velha imprensa consagrou. Como é impossível ou falta coragem para abraçar um dos lados, quando todos os heróis se relevaram fraude, opta-se pelo confortável distanciamento crítico.
Será que não tinha que ter sido sempre assim?
É possível que o que o diferencie hoje, ou a única coisa nova na sua velhice precoce, seja a avalanche de anúncios e pop-ups insuportável que arremete como tapa na cara do leitor desavisado, que torna sua leitura excruciante.
Vive principalmente dos anúncios automáticos colocados pelo Google, pagos por cliques e pelo número de visualizações em escala crescente. Fora, em menor grau, das assinaturas da revista e de sua versão de O Antagonista sem o inferno dos anúncios (Antagonista Plus), para o leitor que não esteja já suficientemente irritado com sua esperteza.
Parece ter sido a única coisa, a pior delas, que não mudou no site.
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