FHC fritava os colaboradores problemáticos em microondas, rápido, sem dor e sem cheiro. Como caíam pra cima, exibiam até certo dourado da fritura.
Lula terceirizava a demissão para a Casa Civil ou arrastava o churrasco para não queimar, até o limite do suportável pela opinião publicada. Nunca queimou as mãos.
Dilma era dura, gerentona, que não sabia esticar para dourar ou queimar. Não sapecou as mãos, mas também não ficou para contar a história.
Já Jair Bolsonaro tem até certo prazer cruel de jogar o subordinado da frigideira para o fogo e ainda propagandear.
Para ficar nos últimos três casos notórios, defenestrou com prazer Joaquim Levy do BNDES, Ricardo Galvão do Inpe e Felipe Santa Cruz dos contratos jurídicos com a Petrobras.
Tem tanto prazer em ostentar uma cabeça na bandeja, que assumiu como maldade pessoal o que poderia ter sido interpretado como uma excelente iniciativa do governo: o fim da obrigatoriedade de publicação de balanços das empresas nos jornais impressos.
Num dos seus arroubos de praça pública sem censura, em Itapira, São Paulo, admitiu que tomou a medida — último prego no caixão de faturamento da imprensa escrita — por retaliação.
— No dia de ontem eu retribuí parte daquilo que grande parte da mídia me atacou.
Ele tem já uma coleção significativa de cabeças, a começar de aliados próximos e de velhos companheiros de farda, espetadas em sua caneta cruel por convicção ou paranoia.
Seja a convicção de que traíam o que entende como o projeto de governo que vendeu em campanha. Seja a neura recorrente de que há sempre um esquerdista infiltrado, querendo sabotá-lo.
Que usa como exemplos de sua missão, apregoada dia e noite em seus discursos contra os inimigos que elegeu em campanha e continua elegendo no palanque da Presidência.
Serve de ameaças para os aliados e para os adversários preferenciais, como os governadores do nordeste, que elegeu como os grandes inimigos a escalpelar. Se não pode agora, escalpelará nas próximas eleições.
Com isso, fortalece como quase obsessão o seu nicho eleitoral. O mesmo a que apela na hora do aperto, como fez há duas semanas, despejando uma cachoeira de impropérios afinados com a parcela da sociedade que lhe deu/dá sustentação.
>>> Leia o artigo: Bolsonaro mantém campanha para os preconceituosos como ele
Estudos recentes do DataFolha estima esse nicho em 33%, um terço do eleitorado, mesma proporção dos que apoiam seu governo segundo as pesquisas. Marcos Coimbra, da Vox Populi, acha inflado e estima em pouco menos, entre 20% a 25%, considerando o piso que manteve por longo tempo até a campanha.
Sendo do mesmo tamanho do nicho de Lula, à esquerda, consolidado em cinco campanhas presidenciais, é um feito e tanto.
Como o de Lula, vai sendo construído pelas mesmas características: uma eterna conversa entre iguais, um permanente discurso para convertidos em seus extremos, direita ou esquerda, pouco se importando o que pensa a média da sociedade.
Também como no caso de Lula, ele se ocupa de consolidar esse naco a qualquer preço, para chegar com uma base forte nas eleições. Estando lá, já começa de patamar mais alto e seguro. Basta amaciar o discurso e trair alguns valores apregoados para conquistar a outra parte do eleitorado, ao centro.
Ficamos assim, então. A andar como estão as coisas, Lula fica com um terço do eleitorado e Bolsonaro com outro terço, em busca ambos de conquistar o outro terço. Na avaliação mais realista de Coimbra, um quarto pra um e um quarto para o outro na briga pela outra metade.
Pode ser que, com tantos erros, os dois possam se transformar apenas em dois líderes de duas facções minoritárias na sociedade: a extrema esquerda e a extrema direita, com seus gatos minguados anunciando o fim do mundo ou suas guilhotinas.
O país agradeceria.
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