Os adversários do vice Hamilton Mourão, capitaneados por Olavo de Carvalho e Carlos Bolsonaro nas redes sociais, selecionam com pinça as várias provas do que constituiria sua traição ao presidente e ao discurso com que se elegeram.
Bernardo P. Kuster, um dos maiores propagadores no Youtube, lista pelo menos dez oportunidades em que, desde o fim da campanha eleitoral, o vice traiu os dois em gestos e palavras. Em cláusulas pétreas, polêmicas ou conjunturais do bolsonarismo em que o presidente e seus ministros estavam do outro lado.
Entre as pétreas, estariam posicionamentos contra o desaparelhamento do petismo na máquina federal, o direito ao porte de arma, a condenação ao aborto — e aproximação com inimigos do presidente.
Entre as polêmicas, a oposição à transferência da embaixada de Israel para Jerusalém, à privatização dos Correios e à rejeição do nome de Illona Szabó para o Conselho Nacional de Segurança.
Entre as periféricas, ter contestado a declaração do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, de que Chico Mendes era irrelevante, ter relativizado a saída do país do ex-deputado e arqui-inimigo Jean Willis e ironizado a conversa pra boi dormir de que nazismo é de esquerda.
Sim, Mourão se reuniu com a CUT para discutir reforma da Previdência, questionou a decisão do chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, de limpar sua pasta de petistas, disse que o aborto é problema da mulher e que, se a população da Venezuela tivesse porte de arma, seria um banho de sangue.
Suprema prova, Mourão chegou a declarar em tom de manchete, que virou manchete, que “Bolsonaro sabe que precisa abrir mão do discurso polarizado“. Como?, se foi em nome dele que se elegeu, explodem seus adversários.
Canto de sereia da imprensa
Na análise do conjunto da obra, estimam que um Mourão vaidoso deixou-se seduzir pelo canto de sereia dos jornalistas que o escolheram para se contrapor ao presidente. E, em nome dessa vaidade, trai o presidente e o eleitorado também conservador como o presidente.
O que faz muito sentido e explica muito a guerra de morte em que seus adversários estão envolvidos, com beneplácito e mesmo alguma tesão do presidente: a de que há um pensamento hegemônico de esquerda, entranhado nos meios culturais, sobretudo na imprensa, para quem as teses de Bolsonaro soam esdrúxulas.
Nela, Mourão deveria estar do lado certo. E não fazendo o jogo dos inimigos, a começar pela imprensa tradicional, onde, de fato, suas aparições são sempre favoráveis, mistura de boa vontade e cálculo de ambos.
Para a imprensa, sim, ele funciona como um ajustador do discurso, o moderador, o candidato ideal que está na cadeira errada, o porto seguro a que se pode recorrer quando a torcida pela falência do governo e a queda do presidente vingar.
Acho Mourão alguns quilates acima do nível de Carlos Bolsonaro e lamento que tenha que perder tempo com essa conversa e acabe por ter que puxar publicamente a orelha do meninão que o pai não controla.
Também compro a tese de que ele gostou da proximidade com os jornalistas, um veneno muito comum de marinheiros de primeira viagem deslumbrados com o tamanho do mar. E anda tendo assessoria de mídia para se sair bem, segundo revela matéria da Folha de hoje.
Eleitorado conservador?
Mas seria conveniente que a turma de Carlos e Olavo ajustassem sua análise, recorrente, de que o país conservador tem um eleitorado conservador que elegeu um candidato idem.
É tudo verdade, mas até o limite de que certas posições extremadas do presidente, como porte de arma ou venda de estatais, não têm o respaldo da maioria. Boa parcela da sociedade, ainda que possa estar entorpecida por 50 anos de relativismos da esquerda, consciente ou inconscientemente, não as apóia. Principalmente a venda do blefe Petrobras.
E até o limite também em que toda a guerra de Carlos Bolsonaro pode ter interesses mais subalternos. Achou no discurso de Olavo de Carvalho uma cortina de fumaça para encobrir intenções mais prosaicas.
Como o seu desejo de ser ministro chefe da Comunicação, traído pela oposição dos principais conselheiros do presidente dentro do Palácio. Que, entre os principais deles, como se sabe, sempre esteve, pelo menos até a posse, Mourão.
Nos jogos de poder da alta política, como se sabe, nem sempre ou quase sempre as razões objetivas que saem na imprensa são as principais.
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