Lula vem descendo ladeira abaixo desde o mensalão, em 2005.
Até então, ele vinha fazendo o melhor de seu governo. Fez algumas reformas, manteve os chamados pilares macroeconômicos, criou as bases para os programas sociais, conciliou com competência os narizes bicudos do seu ministro da Fazenda Antônio Palloci e de seu maior articulador político, José Dirceu.
Atônito com as denúncias que quase o arrastaram para um impeachment, sem seus principais colaboradores e sustentação no Congresso, foi para as ruas, dividiu o governo com sindicalistas ansiosos de um lado, políticos tradicionais de outro e profissionais de rapina no meio.
Recuperou espaço, ampliou o apoio das classes mais pobres, fortaleceu sua base no Congresso e ganhou as eleições para a Dilma em 2010. Mas, pelo preço pago, havia perdido irreversivelmente o prestígio com a classe média para cima e, principalmente, a imprensa.
Já teve dificuldades de fazer seus candidatos a prefeito em 2012, à exceção de Haddad em São Paulo, e acabou meio escondido das propagandas dos candidatos a governador mais bem sucedidos no primeiro turno de 2014: Fernando Pimentel em Minas, Delcídio Amaral no Mato Grosso do Sul, Camilo Santana no Ceará.
Na campanha de segundo turno, sobrou-lhe o papel menor de sair municiando a militância país afora com denúncias e saraivada de preconceitos em comícios plenos de baixaria contra o candidato adversário, enquanto sua candidata posava de mãos limpas em comícios pelo sudeste e no horário eleitoral.
Como escrevi num post bem curtido e comentado em minha página no Facebook, impressiona que o maior dos nossos líderes populares vivo…
- gaste tanta energia com uma militância já convencida,
- não escale outro político menos votado para fazer o serviço sujo, como fazem as raposas políticas,
- cometa com alguns decibéis acima as maldades que seus adversários cometeram contra ele,
- não escolha melhor os comícios que frequenta e
- vilipendie sua biografia de ex-presidente da República de dois mandatos, em conversa de comadres em praça pública.
Afora seu sentido de lealdade que o deixa meio cego, era como se estivesse brigando, menos para ganhar as eleições do que para afrontar a elite que o rejeita ou contra a angústia de estar percebendo a iminência de sua morte política.
Me lembrou Eva Peron, não a carreirista de má fama que se encaixou nos interesses eleitorais do solteirão Juan Domingo Perón (duvida-se à boca pequena de sua masculinidade) e abraçou a causa dos descamisados em reação à elite que a desprezava. Mas a que saía em mobilização das massas quanto mais se sentia rejeitada, vestida em seus Dior que a elite não podia comprar.
O ritmo frenético a matou de câncer precocemente, no auge do prestígio, em 1952, e seu corpo embalsamado virou símbolo doentio de adoração e depois santinho de campanha que influenciou as eleições e a história da Argentina pelas décadas seguintes.
Para o mal: o país meio europeu que teve metrô antes da Europa e uma das maiores rendas per capita do mundo mergulhou num populismo suicida que devastou suas elites – políticas, empresariais, intelectuais – e entrou numa espiral de decadência de que nunca mais saiu.
Se Lula tivesse morrido quando contraiu um câncer na laringe, em 2011, poderia ter tido o mesmo destino e seu cadáver de mártir elegeria políticos por algumas gerações. Como os de Vargas e de Tancredo, menos votados que ele, elegeram.
Para o bem dele e do país, ele continua de pé e ganhando suas eleições com seus métodos, mas morrendo aos poucos politicamente sem provocar hecatombes políticas maiores.
Só que de forma cada vez mais capenga, cada vez menos defensável. Destruindo sua biografia. Morrendo politicamente um pouco a cada dia.
Pior para ele. Bom para o país.
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