Quais foram as mortes mais impactantes de 2016? Qualquer pesquisa formal ou informal sobre os grandes nomes dos obituários da do ano, deve obter como resultados, pela ordem de relevância, as de Domingos Montagner, do time da Chapecoense e da atriz Carrie Fisher.
Elas têm em comum o fato de terem ocorrido antes da hora e interrompido carreiras no topo: Domingos Montagner arrasava na novela das 9h, o time do Santa Catarina ia disputar a final de um título latino-americano, a atriz e escritora retomava o prestígio adormecido com a volta da saga Star Wars.
E por estarem frescas na memória, já que recentes, e terem merecido cobertura acachapante da imprensa. Persona do show business morta ainda jovem e no auge da fama, interpretando expectativas coletivas em grandes obras ou eventos populares, e ainda por cima em acidente, tem um apelo irrecusável para os jornalistas. E para quem os acompanha, nos meios tradicionais ou virtuais.
Nessa classe, não entram os mais velhos e já fora da roda da fama: a múltipla Elke Maravilha, o cantor Cauby Peixoto, o jornalista Goulart de Andrade, o lutador Muhammad Ali, os músicos David Bowie e Prince.
Muito menos os gênios de obras seminais do cinema e da literatura mundiais: os cineastas iraniano, polonês e italiano Abbas Kiarostami, Andrzej Wajda e Ettore Scola, a grande autora de O Sol é Para Todos, Harper Lee, o filósofo multidisciplinar Umberto Eco.
Ou os cinco outros de legados também eternos no Brasil: o poeta Ferreira Gullar, o cineasta Hector Babenco, o médico Ivo Pitangui, o psicólogo Flávio Gikovate, o teatrólogo Sábato Magaldi.
A imprensa tem pressa e memória curta. E, como nós, é faminta pelo espetáculo, pela tragédia, pelas promessas de felicidade interrompidas.
E quanto aos grandes líderes políticos de Cuba, de Israel e do Brasil, Fidel Castro, Shimon Peres e dom Paulo Evaristo Arns? Como entram nessa conta?
Suas mortes, como as dos grandes homens públicos vivendo seu outono longe das disputas, merecem aquele tipo de repercussão reverencial que mobiliza a faixa mais estreita dos interessados em política e história. Não a grande massa que empurra as grandes audiências, os grandes best-sellers e os arrasa-quarteirões.
Era da comunicação
Embora gostemos de culpar a era da comunicação e do espetáculo, sempre foi assim, na morte e na vida.
No início dos anos 80, a venda de Zico para a Udinese da Itália pelo maior valor já pago a um jogador na história do futebol obteve uma repercussão até mundial e desproporcional à irrisória dada à troca de passe do poeta Carlos Drummond de Andrade. Ele recebera uma oferta interessante mas modesta e rara para trocar a sua editora do coração, José Olympio, pela Record.
A coincidência e a desproporção dos valores pagos provocou uma polêmica sobre a supervalorização de um artista de obra passageira, ainda que alguns de seus gols pudessem ser considerados obras de arte, em detrimento do então maior poeta vivo, autor de uma obra perene para o resto dos séculos.
Provocado, o poeta, na sua humildade que ficou famosa, simplificou, mais ou menos assim:
— É claro que quem dá alegria a um Maracanã inteiro, numa única noite, tem que ter mais valor.
Seria possível um Maracanã inteiro pagar ingresso para ouvir uma sessão de declamação de poemas de Drummond? Seria comum trocar o capítulo final da novela, em que o mocinho vai enfim beijar a mocinha, pela leitura de um ensaio sobre semiótica do maior filósofo contemporâneo?
A capacidade de nossos gênios em produzir emoção, vivos ou mortos. Essa a outra parte da equação.
Cristiano Marques diz
Depois disto tudo, vê-se que 2016 não foi um ano perdido.