Tentar descobrir algum propósito político no hit Metralhadora da banda Vingadora da Bahia, a nova mania rebolante da Bahia com mais de 46 milhões de visualizações no Youtube em menos de dois meses, equivale a, como se dizia nos tempos da guerra fria, procurar teoria política em revistinha do Pato Donald.
Entretanto, insisto.
Desafia meus dotes intelectuais entender a força massificadora capaz de arrastar o país os versos que, entre outras coisas, propõem:
“Paredão zangado
Grave tá batendo
Médio tá no talo
Corneta tá doendo
Ele tá zangado
Tá querendo falar
Já tá todo armado
Tá pronto pra atirar
Pega metralhadora!
Trá, trá, trá, trá, trá
As que comandam vão no trá
Trá, trá, trá
Trá, trá, trá,trá, trá”
Devo ser refém de certo cacoete intelectual, que vem de longe, de atribuir a essa festa espontânea um tipo de protesto “contra tudo isso que está aí”, como se dizia na ditadura onde tudo, para a imprensa, parecia ser um grande protesto político.
É comum em toda véspera de carnaval a grande imprensa fazer previsões de quais serão as máscaras de maior sucesso na folia, quase sempre relacionadas à crítica política.
O ex-diretor da Petrobras enrolado nas denúncias da Lava Jato, Nestor Cerveró, o japonês da Polícia Federal que aparece como papagaio de pirata ao lado de todo preso ilustre da operação, Dilma, Eduardo Cunha e o Zika Vírus, pela ordem, figuraram entre as apostas.
Para analistas como Arnaldo Jabor, então, sempre foi uma festa, no sentido intelectual de se refestelar num grande jogo de elucubrações conspiratórias. Quase todo ano escreve a respeito. Neste, em seu estilo de delirante de grandes salsichas gigantes girando no cérebro, saudou o evento como a grande utopia de um outro país:
— Carnaval no Brasil é liberdade e volúpia, é um sonho com outro país, um país sem a sordidez autoritária e burra de hoje em dia, sem a tragédia da pobreza, uma sociedade justa mas dançante. Há uma grane pureza nessa explosão anual de carne nua, como se quiséssemos voltar para uma grande tribo feliz, de índios, pretos e brancos. Não é uma alienação. É uma utopia.
O exercício é divertido, mas um tanto inútil e sem base na realidade.
É preciso bom esforço de parte da imprensa contagiada por política achar tantas máscaras que justifiquem a abordagem. Contou-se em um dedo o protesto da foliã que pretendeu um protesto pelo impeachment, nua, e mesmo assim acabou expulsa do desfile.
Talvez porque tenha virado, em casos isolados, matéria de economia. Virou bom negócio para os organizadores, das escolas do Rio ou dos trios na Bahia, ou para celebridades tipo Sabrina Sato que aparece atrás de flashes em 11 de cada 10 bailes.
Talvez porque tenha se transformado mesmo em coisa de gente saudosa e ultrapassada, como eu e Jabor, dos tempos de pierrô, colombina e lança-perfume, tentando algum sentido além do confete e da serpentina (ainda existem?) em nosso último carnaval de ideias.
No que tem de espontâneo, a se ver no desfile de gente bonita nos blocos de Belo Horizonte, é apenas uma balada boa, onde meninos e meninas soltinhos vão atrás de meninos e meninas em dias que estão mais, na falta de melhor palavra, soltinhos. E que, hormônios à flor da pele, não estão nem aí para o que se passa em Brasília.
É um caso de estar todo mundo apenas armado no bom sentido, “pronto pra atirar: / tra tra tra tra tra tra”.
Scarleth Menezes diz
Infelizmente a grande maioria estava muito ocupada tentando aprender a coreografia para “arrasar” no carnaval e nem se ligou ao possível protesto da letra, que vem mesmo bem a calhar com a realidade. Mas as qua comandam e vão no trá no Brasil ainda são as “bundas” e não as mentes. E essas não estão nem aí para a corrupção. Brasília, política ou algo que demande o mínimo exercício do pensamento.
Brasil diz
Parece que a letra é um protesto contra os carros com som potente sem noção, que têm infernizado a vida de quem é obrigado a ouvi-los contra sua vontade