Ganhei um rádio a pilha. Aquilo mesmo, aquele objeto exótico do tamanho de uma rapadura, usado em grande escala por primitivos até meados do longínquo século XX. Com botão de uma polegada para deslizar um ponteiro metálico por uma caixa de vidro cheia de números, uma antena de 90cm e pilhas do tamanho de pedaços de chouriço. Sem tela sensível a toque, mas cheio de aprendizados.
O primeiro é que a Igreja Católica está ocupando espaço no moderno marketing de arrecadação de dízimos, que eu acreditava pertencer apenas às igrejas evangélicas que dividem a maior parte do latifúndio das rádios AM.
Entre uma e outra pregação do padre na rádio América, uma voz de mocinha insiste:
– Se você é um evangelista de boleto, você pode passar a ser um evangelista de débito automático. É só você ligar para o telefone X e dizer que você é um evangelista que faz suas contribuições por boleto e quer passar a fazer por débito automático. É só fazer isso e você fica em dia com a sua obrigação, com o que você prometeu.
Simpático e levemente ameaçador, como o Deus do Antigo Testamento, tem o tom e a intensidade dos pastores que pedem freneticamente as contribuições, a ponto de gastarem mais tempo explicando o mecanismo de doação do que na pregação da palavra de Deus. O pastor R.R. Soares, que aluga espaços numa grande rede de rádios e TVs, se estende além da conta para orientar como fazer o depósito no Bradesco e enviar o comprovante de “patrocinador” para merecer uma oração. No programa católico, essa tarefa é delegada ao auxiliar de estúdio, como se não fosse de bom tom misturar oração com dinheiro.
Curioso é que, no intuito de imitar o método, a Igreja Católica esteja também caindo na contradição dessas evangélicas de se preocupar mais com sua estrutura do que com a catequese. Os pedidos são justificados pela necessidade de construir e ampliar catedrais, sejam as do parque eletrônico de rádios e TVs quanto às de pedra propriamente dita sobre as quais Pedro fundou a primeira. (Há três imensas, em construção, atualmente.)
Além de rádios, TVs e um marketing agressivo de mala direta (recebo semanalmente medalhas e miniaturas de santos com envelopes de doação carta-resposta), os padres procuram avançar no terreno ocupado com eficiência por esses pastores, responsáveis pela multiplicação milagrosa de conversão de fiéis às igrejas pentecostais, com sérias baixas no rebanho do Vaticano, como mostra a mais recene pesquisa do IBGE.
Parece, porém, algo impensado e vão. As evangélicas cresceram sobre a flexibilidade para se instalarem com rapidez em qualquer galpão desocupado ou salão vago de favela. Como só se permite instalar em templos majestáticos consagrados ao senhor, a Católica embarca numa disputa esquisita e desigual. Parece se esquecer dos seus tantos templos vazios em cada esquina, à espera de fiéis que talvez precisem de menos para serem convencidos a voltar e contribuir espontaneamente em suas sacolinhas.
No meu tempo de catecismo e candidato a sacristão, aprendia-se que o dízimo – sagrado e recolhido numa sacola roxa durante a missa – servia apenas à manutenção do padre e à caridade. Algo franciscano e parcimonioso porque, aprendia-se também, Deus abominava a usura e Jesus havia expulso os vendilhões das portas do templo de seu pai.
Com o avanço desse tipo de igreja evangélica e seu modelo de arrecadação, a Católica parece ter intuído que não podia ficar atrás e, também compulsiva por crescimento, parece investir mais no, digamos, meio do que no objeto fim de sua missão. Está chegando ao ponto em que investir, ampliar, crescer, retroalimentar sua superestrutura, física ou eletrônica, parece mais urgente que catequizar.
A ideia de mera caridade com o dízimo dos fiéis parece velha como os rádios a pilha.
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