No final de 2014, veio à tona a falsa história do picolé Diletto que enganou todo mundo, evocando as espertezas da publicidade, seja na área privada, seja na área pública.
O picolé Diletto tinha virado febre de consumo com uma fórmula artesanal que, segundo a publicidade, continha ingredientes frescos e raros de lugares exóticos, como o pistache verde da região do vulcão Etna, na região da Sicília, ou as framboesas orgânicas da Patagônia.
O cuidado com a qualidade e o frescor dos ingredientes seria uma tradição herdada dos netos do avô italiano que fazia sorvetes de frutas frescas e gelo de neve, em seus tempos difíceis na região do Vêneto, antes da Segunda Guerra que o desterrou para o Brasil.
— A felicità é um Gelatto – dizia o slogan estampado no velho caminhão do avô, de seus tempos difíceis na Itália, que ajudou a construir a lenda dessa história de sucesso que chegou a merecer matérias apaixonadas do jornalismo econômico:
Exame: Empresário segue sonho do avô e fatura R$ 25 milhões com picolés >>>
Folha: Sorveteiros, irmãos Scabin refrescam os paulistanos >>>
PEGN: Criada em 2009, a Diletto chega esse ano a Itália e Inglaterra >>>
Só que… era tudo mentira, como corrige agora Ana Luísa Leal, nessa matéria da Exame.
O personagem foi inventado pelo fundador da empresa, Leandro Scabin, em parceria com o sócio publicitário Fábio Meneghini e ajuda do mago da publicidade privada, Washington Olivetto, aquele que se projetou de uma vez para sempre na publicidade mundial com a história simples e sincera da menina que experimentava o primeiro sutiã.
O avô, na verdade, paisagista, veio para o Brasil mais de 20 anos antes da Segunda Guerra e se estabeleceu em serviços de jardinagem para famílias ricas.
— Como eu convenceria o cliente a pagar 8 reais num picolé desconhecido? — admitiu candidamente Scabin.
— Um lindo produto merece uma linda história — emendou sem medo Olivetto, perfeitamente incorporado à onda do Storytelling, o nome pomposo que o mundo da publicidade criou, como sua competência de sempre, para designar a apropriação de recursos da ficção para vender produtos.
Storytelling e ficção
A tese é a de que, no admirável mundo novo da internet e das redes sociais, as pessoas estão cada vez mais envolvidas e sendo influenciadas por relacionamentos e boas histórias. Compra por indicação de amigos e engole os produtos em meio a histórias envolventes, como um bom picolé artesanal.
O problema é que, sendo filho da literatura, está mais preocupado com verossimilhança do que com a realidade. Com a ficção e a mentira, mais do que com que a verdade.
E, assim, não fica muito longe do que faz um João Santana em suas campanhas ficcionais, como a que projetou uma candidata Dilma Rousseff totalmente diferente da que viria a assumir o país.
Tendemos a ser mais duros com a publicidade na área pública, como a de João Santana, mas não vejo grande diferença.
É possível que os especialistas, magos ou espertalhões do mercado privado achem a pantomina uma brincadeira ingênua que vale a pena desde que dê bom dinheiro. E que, passada a primeira lambida, o consumidor releve a história do avô, a origem das frutas e o engodo.
A melhor desculpa talvez seja a de que uma ação de marketing privada como essa, com dinheiro privado, é menos nociva do que o estelionato eleitoral de uma campanha suja. Até pela dimensão e dos interesses do público que atinge — um país e seu futuro num caso, um nicho e o deleite de uma minoria, no outro.
Em termos.
Ambas, para mim, se assentam na cafajestada de que o público que paga a conta é idiota. Daquele tipo que todo dia sai de casa, segundo a mais velha das leis do comércio cafajeste.
Ou, para ficar numa citação mais sofisticada — e mais adequada a esse universo de homens que tomam vinho de até 5 mil dólares —, ninguém nunca perdeu dinheiro por subestimar a inteligência do público.
Não precisa fazer isso para vender e vencer com dignidade.
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