Ao sondar o melhor dos Smartphones para presente no Natal de 2014, me surpreendi que seu preço de R$ 4,6 mil fosse o correspondente à soma de um pacote de eletrodomésticos de boa qualidade para uma cozinha montada: geladeira (R$ 2 mil), fogão (1 mil), lava-louça (500) microondas (500), liquificador e batedeira (300 cada).
Mais surpreendido fiquei ao perceber minha preferência pelo brinquedinho e que esta não era uma opção estranha ao meu meio. Entre um aparelho para falar, compartilhar mensagens e tirar fotos com conforto, e uma cozinha para tornar mais fácil a tarefa de sobrevivência cotidiana, as pessoas optavam pelo primeiro.
Eu já sabia desde Nelson Rodrigues que só o supérfluo faz bem ao homem e que estava invertida a famosa pirâmide de Maslow, aquela que coloca no topo a autoestima (ego) e a autorrealização (significado) depois de satisfeitas as necessidades da base, de sobrevivência e segurança. Mas só vim a sentir aquele murro no estômago esclarecedor sobre o que está se passando nessa subversão ou reordenação total dos valores, ao ler Marketing 3.0 – As Forças que estão Definindo o Novo Marketing Centrado no Ser Humano.
Seu autor, Philip Kotler, cunhou a expressão para redefinir o conceito como um novo marketing centrado nas aspirações e na espiritualidade, espécie de última etapa da cadeia evolutiva da velha ciência de conquistar e manter clientes, que começou há 70 anos preocupada apenas em colocar os produtos na prateleira.
O Marketing 1.0, da indústria manufatureira do pós-guerra, era apenas tático e focado no produto, o dos 4 Ps: Product, Price, Promotion and Place. No Brasil: Produto, Preço, Promoção e algo como Programação (distribuição).
O 2.0, filho da demanda criativa para superar a crise econômica dos anos 70, uma evolução do tático para o estratégico, uma disciplina de gestão do cliente e não do produto. Descobrir suas necessidades e aspirações para definir mercado, segmentação e posicionamento.
Se o Marketing 1.0 da era industrial visava atingir a mente, preocupada com necessidades básicas, e o 2.0 da era da comunicação queria chegar ao coração do cliente, o 3.0 da cultura das redes sociais e do compartilhamento avança no campo da espiritualidade, segundo esse professor, doutor com pós-doutorado em Matemática e Economia, considerado quarto guru de negócios pelo Financial Times, sexto mais influente no mundo empresarial pelo Wall Street Journal e maior especialista em Marketing pelo Management Centre Europe.
Mais que satisfação funcional e emocional, esse novo marketing visa principalmente satisfação espiritual nos produtos e serviços que vende. Leva à arena das aspirações, dos valores e do espírito humano. Complementa o marketing da mente e das emoções com o marketing do espírito.
Embora seja essencial oferecer desempenho e satisfação aos clientes no nível do produto, no nível mais elevado uma marca deve ser vista como algo que realiza as aspirações emocionais e pratica compaixão de alguma forma.
Como o Iphone, o Facebook ou as botas Timberland, que são objetos de paixão de seus consumidores. Porque não vendem produtos, mas sensações espirituais: compartilhar, acessar suas memórias, ser livre. Não ir para uma cozinha bem montada fritar um ovo.
Também pós-doutorado em Ciências Comportamentais, Philip Kotler identificou as três forças que criaram e potencializaram o fenômeno:
- A transformação cultural impulsionada pela integração dos mercados e a globalização. Origem de grandes oportunidades, é também de angústia, contradições e insegurança. É democrático mas China e Índia não o são, anseia por integração mas não cria economias iguais (apenas 50 bilionários na Índia, 1 bilhão de pessoas em pobreza extrema e um CEO de multinacional ganha 440 vezes mais que um empregado).
- A tecnologia colaborativa provocada pelo avanço dos computadores pessoais e das redes sociais. Num mundo de paradoxos e conflitos e a angústia da dúvida, as pessoas buscam continuidade, conexão e direção.
- A importância crescente da criatividade, derivada da ideia de compartilhamento. Que evoluiu para o que ele chama de “era da participação” ou “da colaboração”. Pessoas criam e consomem notícias, ideias e entretenimento, usam mais o lado direito do cérebro em setores criativos, como ciências, artes e serviços profissionais, e, como tal, buscam cada vez mais autorrealização.
Nesse novo tempo de angústia por integração, conexão e um sentido para a vida, o novo consumidor tem mais confiança nos relacionamentos horizontais que verticais, confia mais nos amigos e na propaganda boca a boca, mais em estranhos que nas corporações.
Para confiar, precisa de marcas responsáveis, integradas a suas comunidades, preocupadas com responsabilidade social, sustentabilidade ambiental e sentido de comunidade.
É uma reviravolta para as empresas e os profissionais de marketing.
Nova comunicação requer nova empresa
Para as empresas, na medida em que revira de ponta seu conceito de propriedade, de comunicação e de relações com as comunidades em questão inseridas.
É a fase em que mudam da abordagem centrada no consumidor para a centrada no ser humano e na qual a lucratividade tem como contrapeso a responsabilidade corporativa.
A começar que suas marcas não mais lhes pertence, mas aos consumidores que a protegem como um bem próprio e podem construí-las ou destruí-las a golpes de mouse. Qualquer movimento em falso pode arrebentar a relação de confiança, como ocorreu com o lançamento da New Coke, considerado pelo mercado como o exemplo paradigmático de traição ao consumidor.
A nova empresa do novo marketing não trabalha com estratégias de relações públicas, mas com a incorporação de valores na cultura da empresa. Seus produtos têm que ser universais e locais ao mesmo tempo. Assim como o McDonalds dá a seu consumidor de Big Mac a sensação de inserção no mundo, ele também precisa ter a banana frita que o vai trazê-lo a seu solo.
Uma das pesquisas globais citadas por Kovey apurou que 85% dos consumidores preferem marcas socialmente responsáveis, que 70% estariam dispostos a pagar mais por elas e que 55% as recomendariam. Para esse consumidor, já não basta que as fábricas ou seus produtos não agridam o ambiente, mas que, diante da escassez de recursos, criem produtos ecológicos ou socialmente responsáveis.
Reflexo desses tempos, acionistas começam a relacionar sustentabilidade com lucratividade e as empresas buscam formas de serem socialmente responsáveis em seus produtos e em suas estratégias de relações públicas.
A GE viu seu valor de marca subir 25% desde que começou a investir em painéis solares, turbinas eólicas e tratamento de água. A Disney passou a se preocupar com alimentação infantil. O Wall Mart criou setores de comidas saudáveis.
No campo da filantropia, a American Express criou campanha para destinar 1% de sua arrecadação para uma reforma da Estátua da Liberdade, a Quaker embarcou numa campanha contra a fome e o a Haagen-Dazs, de sorvete, noutra de preservação da colmeias.
Era colaborativa requer novo profissional
O Profissional de marketing dessa era colaborativa e de relacionamentos horizontais deve ter em mente que não apenas vende ou se relaciona, mas convida a participar.
Se para o homem de Marketing 1.0, o objetivo era fazer venda e, para o Marketing 2.0, criar relacionamento para fazer o consumidor voltar, o Marketing 3.0 tem que convidá-lo a participar do desenvolvimento do produto.
Kotler cita alguns dos maiores gurus de gestão da atualidade, inspirados ou inspiradores:
- A experiência de um produto jamais é isolada, é uma co-criação, nas palavras do guru de gestão C. K. Prahalad.
- Com a facilidade da tecnologia colaborativa para criar valor, as pessoas começam a trabalhar e a viver como cientistas e artistas criativos, como diz Richard Florida em The Rise of Creative Class.
- Elas saem do braçal, que utiliza o lado esquerdo do cérebro, para o artístico, que usa o direito, como emenda Daniel Pink, em O Cérebro do Futuro. No novo mundo tecnológico e criativo, com mais pessoas criativas que trabalhadoras braçais, a função dos empreendedores que trabalham com tecnologia e conceitos fica cada vez mais determinante.
- Mais tribal, emenda Seth Godin em Tribes, o consumidor quer estar conectado a outro, em suas redes e seus poools, não a empresas. Sabe que não existem pessoas extraordinárias fora de sua comunidade.
- Ao analisar essa inversão, em O Coração da Alma, Gary Zukav pontifica que a espiritualidade vem rapidamente substituindo a sobrevivência como necessidade primária dos seres humanos.
Resume Kotler: a construção de uma marca é uma obra de sabedoria coletiva, e o profissional dessa nova ordem, também um consumidor, tem que saber que está lidando com um ser humano pleno: corpo físico, mas mente capaz de pensamento e análise independentes, coração capaz de sentir emoção, mas também o espírito. É preciso “decifrar o código da alma”.
Estratégia de comunicação
Sua estratégia é a de contar histórias envolventes que faça da marca o símbolo de um movimento que pretende despertar os problemas da sociedade e transformar a vida das pessoas.
Que, contando histórias, produza desafio, conexão, criatividade e significado para a vida das pessoas.
Como expressou a American Marketing Association, em sua nova definição de marketing, de 2008, atenta a essa nova realidade:
Marketing é atividade, conjunto de instituições e processos para criar, comunicar, oferecer e trocar ofertas que gerem valor para consumidores, clientes, parceiros e a sociedade como um todo.
É como se de fato, setenta anos depois, se tivesse invertido a famosa pirâmide de Maslow. Como diz Gary Zukav, outro guru citado por Kotler que teoriza sobre essa inversão em O Coração da Alma, a espiritualidade vem rapidamente substituindo a sobrevivência como necessidade primária dos seres humanos.
Sim, na nova pirâmide, a satisfação do bem imaterial que estava no topo, do smartphone que me dá mais prazer do que uma bela cozinha, vai para a base.
Enio diz
Gostei.
Flávia diz
Legal.