Quis o destino que os tiros no ônibus da caravana de Lula pelo sul ocorreram no mesmo dia em que o ministro do STF Edson Fachin pediu proteção ao governo contra ameaças à sua família e duas semanas depois que executaram a vereadora Marielle Franco no Rio de Janeiro.
Me remeteu ao filme Três Anúncios para Um Crime, meu preferido derrotado no Oscar, sobre a mulher que paga por três outdoors numa velha estrada para acusar a polícia de demora na apuração do estupro de sua filha, seguido de morte.
É fácil e previsível pensar logo na culpa da polícia e espera-se que o filme vá se enredar pelo maniqueísmo de opor a vítima ao sistema, mas acaba não sendo bem assim.
O chefe da polícia é um sujeito decente, tem dificuldades reais de achar o criminoso e está com os dias contados por um câncer. A sociedade toma as dores dele, e a mãe-vítima, a grande oscarizada Frances McDormand, vai cortar um dobrado para tentar provar suas razões.
Ao fim, vai se ver nessa pequena cidade do interior dos Estados Unidos, microcosmo de traumas maiores da sociedade americana, que ali se ferve a fogo lento um caldeirão de preconceitos raciais, sociais e afetivos, onde o mais importante não é o descobrir o assassino, mas revelar os culpados.
Nesse filme intenso, lacerante e meio mórbido, a grande questão é revelar quem é mais ou menos culpado. Porque, em certa medida, todos o são.
Crimes em política
Cortando para o Brasil, há uma tentação em culpar as vítimas por uma escalada de intolerância cujo criminoso original será difícil descobrir, porque, em certa medida, somos todos culpados.
Muita coisa aconteceu, da história belicosa do PT aos movimentos belicosos do outro lado até o impeachment que cindiu de vez o país e produziu um caldeirão de preconceitos e remorsos lado a lado. E cada um de nós pode ter colocado o nosso pingo de bile num post ou num comentário, público ou privado, que desqualificou o interlocutor e plantou um inimigo
Não também por nossa culpa, nossa máxima culpa, mas por não nos darmos conta do nível de efervescência de nosso caldeirão e termos repetido por reflexo, quase condicionado, os métodos do outro à nossa frente.
Em privado, só com meus botões, já me peguei endossando a tese de que o PT está pagando por seu modelo de fazer política na desconstrução impiedosa do adversário. É da esquerda que ele representa a tradição de fazer política nas ruas e no ataque. Mas me corrigi a tempo.
Porque, se não aprovei os métodos no passado, não é justo, civilizatório e cristão que eu os defenda agora.
E é preciso entender o nível de fervura para, antes de propagandear anúncio para esses crimes como McDormand no filme, é o caso de procurar antever que tipo de crimes maiores se anunciam se continuarmos no mesmo caminho.
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