O triunfo do homem sobre a natureza. O marketing do Titanic que pretendia sintetizar as conquistas da era industrial, no início do século XX, me veio à cabeça com a notícia de que um engenheiro alertara a Samarco sobre os riscos da barragem um ano antes da avalanche que virou marca mundial de descuido ambiental.
Agora que a PF decidiu indiciá-la por leniência na manutenção dos equipamentos de monitoramento das barragens (piezômetros), me lembrei da cena do filme campeão de bilheteria de James Cameron (1998) em que técnicos e comandante informam ao dono que o navio só teria mais duas horas de vida depois de rasgar 90 metros do casco num iceberg.
O dono havia pressionado os marinheiros por mais velocidade apesar do gelo, sonhando com uma manchete de jornal em Nova Iorque que consagrasse sua façanha tecnológica, capaz de dominar a natureza do oceano com mais velocidade e mais conforto que qualquer outro transatlântico.
Diante da informação de que não chegariam e que mal havia barcos salva-vidas para as 2.223 almas, um dos presentes conclui com amarga ironia, mais ou menos assim:
– O senhor vai ter enfim a sua manchete.
Difícil e meio cruel apontar o dedo para culpados, dadas as tantas variáveis a serem consideradas e investigadas. Mas não não deixa de ser interessante especular sobre o contexto em que tragédias desse porte acontecem.
Assim como o sistema de castas da Inglaterra pariu uma nobreza arrogante capaz de atravessar a autoridade do comandante para ir lá embaixo na casa de máquinas dar ordens temerosas a maquinistas suados, é intelectualmente excitante imaginar como que nosso sistema de castas, 100 anos depois, opera para passar por cima dos protocolos.
Vivemos num país em que a nobreza dos grandes conglomerados cooptam agências reguladoras e desprezam advertências de órgãos reguladores, se valendo de uma máquina fiscal deficiente. E da ideia, algo temerária como acelerar no gelo, de que, se nenhuma tragédia aconteceu até agora, é porque não vai acontecer.
(Não à toa que, com agências cooptadas e órgãos reguladores engambelados, temos os maiores índices de acidentes de aviação do mundo.)
E se acelera a produção e os lucros, na crença do triunfo do homem sobre a natureza e de sua capacidade de domá-la se ela der de se irritar. E certamente também à espera da gloriosa manchete de que é capaz de se produzir mais esticando os limites da natureza.
Um dia a manchete chega. Não necessariamente como se esperava.
– Os senhores têm enfim a sua manchete.
Carlos Santos diz
Não existem ponderações a serem feitas diante da catástrofe provocada por tamanha incompetência e ganância: toda a diretoria da SAMARCO já deveria estar na cadeia, desde o dia da ocorrência.
Marco Túlio de Oliveira Santa Rosa diz
E mais; os políticos que retiram sua fatia inescrupulosamente, se escondem e se calam diante de fato catastrófico, causado por falta de fiscalização, liberações de documentos, permissões escusas e sabe-se lá mais o quê.
Um dia, a casa cai, mas claro, nunca na cabeça dessa gente. A questão (da corrupção) é cultural e de educação primária.
Boa semana!