Entrevista histórica de Lula com o ex arqui-inimigo do PT mostrou como as afinidades de Reinaldo Azevedo em torno da Lava Jato prejudicaram sua isenção.
Fiquei prestando mais atenção em Reinaldo Azevedo do que em Lula, na entrevista histórica que reuniu pela primeira vez o mito da esquerda brasileira e o ex arqui-inimigo do PT.
E não só porque sabia de antemão que Lula nada falaria além do sabido e aquém do esperado.
Um pouco pelos 80 minutos insuficientes para tanto do programa, muito porque ele derrapa mesmo de questões espinhosas e bastante porque Reinaldo virou terreno amigo.
Um dos maiores sintomas de que estaríamos em casa é apenas o fato de Lula ter aceito dar a entrevista.
Ele deu não mais que cinco coletivas na vida, antecedidas de longo discurso de palanque, cercado de uma claque, como a última, e só aceita entrevistas cara a cara com jornalistas amigos que não o cutucam com a vara curta.
No topo dessa lista pequena nos veículos independentes pode-se colocar seu ex-assesssor Kennedy Alencar, do Uol, sua fonte na Folha de S. Paulo, Monica Bergamo, e qualquer um de publicações ditas progressistas como Carta Capital, Diário do Centro do Mundo e Brasil 247.
São os que a assessoria filtra para deixá-lo em terreno seguro e que, não por acaso, estiveram todos presentes na série de entrevistas que deu na prisão.
Diogo Mainardi, ex-Veja e dono de O Antagonista, o segundo maior inimigo do PT depois do Reinaldo de outros tempos, jamais seria aceito, como não foi. Ele chegou a reivindicar judicialmente — e perdeu, por decisão de Lewandovski — o direito de participar de uma sessão com a turma amiga, na cadeia.
Diogo está no topo da lista de jornalistas que Lula jamais aceitaria confrontar num tête a tête, seguido de outros grandes que estão por aí, da Veja antiga principalmente: Augusto Nunes (hoje em Os Pingos nos Is), José Roberto Guzzo (hoje na Oeste), Mário Sabino (também de O Antagonista). Não aceitaria sequer moderados elegantes como Josias de Souza, do Uol, ou Merval Pereira, de O Globo. Mírian Leitão? Nunca.
Reinaldo Azevedo estaria na frente de Diogo em outros tempos. Já escrevi que ele foi o pior inimigo que o PT poderia ter.
Cunhou a expressão “Petralha” e o conceito de que “o PT elevou a corrupção à categoria de pensamento”, na medida em que, desviando dinheiro público para municiar o partido e sua revolução, não projetos pessoais, a justificava intelectualmente.
Seu ponto de virada que o aproximou de Lula foi a Lava Jato, em que se tornou o maior especialista nas derrapadas legais de Sérgio Moro e dos procuradores de Curitiba. Num fôlego para ler vírgulas das sentenças de Moro, a que nenhum jornalista se entregou.
Lula passou a citá-lo logo nos primeiros embates com a operação, como que para dar legitimidade ao que dizia. Nada servia mais a seus propósitos de acusar o que chamava de farsa judicial do que evocar o testemunho — em tese isento — de seu mais conhecido verdugo.
A afinidade gerou proximidade com seus admiradores, hordas de fãs que o odiavam e um mergulho cada vez mais fundo e sem volta na defesa do petista.
Isenção jornalística
Gosto e continuo gostando de Reinaldo Azevedo, li e continuo lendo e vendo quase tudo dele, mas não hesito em dizer o que ele mesmo deve achar quando põe a cabeça no travesseiro.
Que a proximidade acabou por afrouxar seus filtros sobre Lula e o petismo e a comprometer seriamente sua isenção para tratar do que é o calcanhar de Aquiles do seu novo amigo: os desvios que ele patrocinou, de que há vasta literatura e indícios suficientes para serem discutidos.
Mesmo que se diga justificadamente que estava premido pelo tempo curto de uns 80 minutos para conter a gama de assuntos e a verborragia de Lula, a entrevista só abordou a questão uma única vez, naquele tipo de concessão à notícia que até os jornalistas mais amigos precisam ostentar para não parecerem chapa branca demais.
— Que houve desvios na Petrobras, houve — ressalva, como que para defender a sua cota de isenção, no único momento em que ameaçou colocar o ex-presidente na parede.
Mas parou por aí.
Lula deu a melhor resposta que já dera sobre o assunto, a de que os três diretores indicados pelo PT na estatal (José Eduardo Dutra, Sérgio Gabrielli e Guilherme Estrella) não tiveram qualquer envolvimento com corrupção. Fora tudo obra de funcionários de carreira ou indicados por outros partidos.
Mas também não lhe foi lembrado/perguntado que o partido ficava com 3% de todas as operações de todas as outras diretorias. Que por conta das vantagens milionárias auferidas com contratos com o governo, empresas mantinham uma contabilidade com o PT. A Odebrecht reservou R$ 300 milhões numa caderneta que, neste caso, abasteceu gastos pessoais do presidente.
Aqui, como em outros momentos, claramente prejudicado também por muito assunto para tempo curto, diga-se, Reinaldo acabou servindo de escada, ainda que tentasse vez ou outra fazer o novo amigo pisar terreno pantanoso.
Pantanoso no sentido de algum controle de danos. Como no momento em que tentou arrancar uma autocrítica dos erros do PT, mas circunscritos ao período Dilma, sobre o qual o petista poderia dançar sem medo.
Fonte jornalística
A questão da proximidade que pode afetar as convicções mais entranhadas dos jornalistas mais resistentes acontece nas melhores famílias do ramo. E é tanto mais perigosa quando do outro lado tem um sedutor do naipe de Lula.
Já se disse sobre a arte de cultivar fontes que jornalistas devem manter uma distância segura de encantadores de serpentes como ele. Não tão longe que perca informação e nem tão perto que seja cooptado.
Reinaldo é hoje um cooptado pelo carisma e as razões lulistas, depois de camadas sobrepostas de afinidades contra a Lava Jato. É possível pinçar do programa alguns bons momentos de tietagem explícita, como no que imita Lula e quer pergunta sobre sua performance. Veja no vídeo:
O contrário disso, que também ocorre, é o distanciamento excessivo que pode prejudicar o juízo. Um chapa branca às avessas, o jornalista só passa a enxergar o erro e não tem qualquer boa vontade para entender as razões do outro lado.
É o que mais ocorre no novo mundo das bolhas das redes sociais, que deixou os jornalistas da velha guarda meio sem lugar.
Reinaldo pode ser também um bom exemplo, que vai ocupando seu espaço e sua bolha, a se considerar seu ódio pela Lava Jato, a que não concede uma filigrana de boa vontade para entender suas razões.
(Pode explicar muita coisa um incidente com a operação, que vazou uma conversa sua próxima demais com a fonte Andreia Neves e lhe custou o seu melhor emprego, na Veja, onde chegou a ter 18 milhões de visualizações em apenas um mês.)
Gostaria, em nome do esforço que ainda faz por isenção, de vê-lo um dia entrevistando Sérgio Moro ou Deltan Dallagnol com o mesmo respeito e boa vontade.
Thomas diz
Eu também adoraria ver Reinaldo entrevistando o Moro… mas isso não acontecerá, a parcialidade e rancor do pseudo-jornalista não encararia a ética e decência do ex-juiz
Parabéns pela análise, Ramiro
Mauro Assis diz
Eu também adoraria ver Reinaldo entrevistando o Moro… mas isso não acontecerá, a mediocridade do juizeco não encararia o conhecimento de Tio Rei,