Chico Buarque na propaganda de Dilma Rousseff na TV soou como algo meio fora de lugar, deslocado no tempo.
Fetiche símbolo dos movimentos de resistência democrática pós-ditadura, com suas canções de protesto e seus olhos verdes, ele estaria meio anacrônico para as novas demandas em debate na atual campanha eleitoral.
Não só por que movimento por democracia já perdeu sua época, mas por que o discurso social que ele professa como condição de defender Dilma já vai ficando também velho na rapidez com que as mudanças se processam.
Em 2002, primeira eleição de Lula, ele fazia todo o sentido diante da aguda percepção de disparidades de renda, que opunham uma minoria muito rica a uma maioria muito pobre, não resolvidas desde o fim da ditadura. Apesar do Plano Real e sua inserção de uma grande massa ao mundo do consumo.
As demandas de hoje, que os movimentos de junho do ano passado esboçaram e a opinião pública ampliou, é de uma classe média que quer mais.
Seja a classe média ascendente que comprou o primeiro carro e colocou iogurte na geladeira, seja a tradicional que se sente alijada da política bolsa-família de Brasília. Anda irritada com a segurança, a ineficiência dos planos de saúde, o preço da escola, a inflação e a corrupção.
(Quem sabe Chico não possa usar seus olhos verdes para defender um bom projeto contra corrupção?)
Para essa grande massa, o discurso social das três refeições por dia, que Lula pregava em 2002, é antiguíssimo.
Lula também
O mesmo vale para Lula. Tenho a mesma sensação de um Chico Buarque fora de lugar quando o vejo fazendo o discurso da panela vazia no horário de propaganda eleitoral. Meio fora de lugar e mais atrapalhando que ajudando, além de que tem alta rejeição das mulheres que Dilma precisa conquistar.
A favor do maldoso João Santana, se diga que há uns dois anos ele vem alertando o staff do governo de que o PT já tem consolidado o apoio das classes baixas, nunca teria o da classe alta, mas que precisava urgentemente dialogar com a classe média.
Intuitivo como sempre, Lula chegou a fazer alguns ensaios, cujo ato inaugural me pareceu a reação na palestra famosa em que a maluquete Marilena Chauí disse que tinha ódio da classe média. Ele, brincalhão, em seguida, disse mais ou menos:
– E eu que fiz força a vida inteira para entrar na classe média e vem a Marilena dizer que ela não presta.
Só que não é um estrato com que se sinta à vontade para dialogar. Seu berço, sua cama e sua tribuna por excelência estão na assembleia de sindicato em que fala para peões que viu e fez mudar de vida. Os tais para os quais fala no horário eleitoral.
É possível que João Santana não goste muito. E sua fala em rede nacional, como a de Chico Buarque, contradiga o que suas estratégias pró classe média recomendam. Mas como contestar o pai dos pobres e líder espiritual da casta de poder que vem ganhando eleições, sabe-se lá a que métodos.
E os olhos verdes do Chico? Hein? Hein? Rejeitá-los numa campanha, quem haverá de?
Gerson diz
Também penso que os discursos devam ser renovados e atualizados de acordo com a época. Eu, por exemplo, não aguento mais aquele discurso do tipo: “lutei contra a ditadura”, “tenho um passado de lutas”, e por aí vai. Tais discursos tiveram seus momentos mas já deram o que tinham de dar.