As dificuldades da reforma ministerial de Bolsonaro me remetem à de tantas outras administrativas, maiores ou menores, desde que acompanho política, gestão pública e seus recuos, mais recuos que gestão.
Basta o anúncio de fechamento de um Ministério ou de uma Secretaria de Estado, para que mostrem os dentes o lobby interno da corporação de funcionários, aliado aos interesses setorizados externos. Apoiado numa imprensa em geral mal informada sobre os meandros dos dois e da instituição.
Quando não é ela mesma, imprensa, que toma a iniciativa de correr atrás para criar assunto. Hoje, a CBN nacional ouviu um procurador do Trabalho para perguntar o que se perguntaria a um cabrito sobre o que ele acha de fechar a horta.
Vem de longe.
Quando Tancredo Neves assumiu o governo de Minas, em 1982, prometeu extinguir a inútil ou substituível estatal de urbanização, Codeurb. Bastou uma assembleia de funcionários com alguns intelectuais para ele recuar. Seis meses depois, a estatal tinha seis vezes mais funcionários. Porque para isso os políticos são bons: “já que estão dizendo que é necessária, vamos empregar”.
Michel Temer foi dos que tentou sem sucesso extinguir o sempre discutível Ministério da Cultura. Este sim, cercado pelo mais poderoso dos lobbies, o artístico cultural, em geral intimidante para a baixa formação intelectual dos eleitos.
Irrita que a pressão contra a extinção nunca vem com argumentos técnicos. Seja por ignorância de quem está de fora sobre os meandros de funcionamento do órgão, caso em geral da imprensa, ou malícia do corporativismo interno, que não conta tudo.
Aí, não brota uma abordagem consistente e confiável, nem para extinção e nem para manutenção ou ampliação, se for o caso.
No artigo que escrevi sobre a guerra artística contra Temer, na tentativa de maio de 2016, eu pedia justificativas reais para uma coisa ou outra, que não estavam nos discursos puxados na mídia por grandes artistas, incluindo a primeira dama Fernanda Montenegro.
O máximo a que chegavam, como no caso dela, era no argumento de que o Ministério era “uma conquista da classe” que não poderia ser desprezada.
Sem considerar o fato de que fora criado por Tancredo Neves também para premiar o amigo José Aparecido de Oliveira, me pareceu cabotino defender a manutenção de uma grande estrutura perdulária apenas pelo argumento de que, um dia, fora criada como uma conquista da classe. Se se cria, não pode extinguir mais?
>>> Veja o artigo Artistas voltam aos protestos sem explicar por que querem Ministério
Meu principal argumento era — e continua sendo — o de que a avaliação deve passar pelo propósito ou pelo tamanho da demanda. Se o Ministério deve ser para estabelecer políticas estruturais de Estado para o setor, deixando toda a atividade para a iniciativa privada, uma sala com 20 funcionários basta. Se for para atender demandas de balcão, como no caso da Lei Rouanet, um escritório inchado em cada estado é pouco.
Reforma de recuos e desgastes
No caso do Ministério do Trabalho na proposta de reforma ministerial de Jair Bolsonaro, a nova queda de braço entre o governante da vez e seu ministro da Fazenda contra o resto, até que ponto é necessário um Ministério mastodôntico para estimular emprego e fiscalizar mão de obra escrava?
Possivelmente que a opinião de Paulo Guedes, o inspirador da política liberal clássica que vem fazendo a cabeça de Bolsonaro e também a minha, órgão público cria emprego (muitas vezes atrapalha) e crime de trabalho escravo é serviço da polícia. Mediação trabalhista? É com o Judiciário.
Bolsonaro já vem recuando mais do que devia.
Não deveria considerar, por exemplo, a existência dos Ministérios do Desenvolvimento Social e de Direitos Humanos, que considerou manter num Ministério da Família para, como fez Tancredo com José Aparecido, premiar o amigo Magno Malta.
Desenvolvimento Social é consequência das ações de governo através do conjunto de seus outros ministros. Direitos Humanos é conceito inerente ao de Justiça, a cujo Ministério deveria ser submetido. Um Ministério da Família para contemplar discurso de campanha seria análogo a, como disse um amigo querido, um Ministério do Antipetismo.
O risco de desgaste é real.
Nada estimula mais o eleitorado do que o rambo de faca nos dentes que promete arrumar a casa e enquadrar os políticos. E, em linha inversa, nada o decepciona tanto quanto ver seu ídolo entrando no jogo e admitindo que, “bem, não é bem assim, me desculpem”.
No caso do presidente eleito, ter mostrado na campanha eleitoral que não precisava entender de nada, porque saberia ouvir para decidir, só piora a coisa. Reforça a desconfiança de que, pode até saber decidir, mas continua sem entender nada.
Reformas no Congresso
Por que Bolsonaro insiste na reforma da Previdência neste/deste governo? Certamente farejou, com boa razão, que seria pressionado a colocar a sua em votação logo no início da legislatura, fevereiro. E, aí, travaria tudo.
Seriam seis meses de palanque para a oposição, desgastantes, sem espaço para aprovar a sua pauta de urgências para mostrar a que veio: redução de ministérios, simplificação de impostos, armamento, enquadramento dos movimentos radicais e das escolas partidárias, reforma política. Entre outras.
Assim, aceita a reforma meia sola do governo Temer agora, desanuvia o clima, e ganha tempo para fazer a sua. Que é mais complexa e demanda maioria mais consistente, já testada nos primeiros arranca-rabos.
Maioria para fazer as reformas
BBB. A chamada bancada da Bíblia, a evangélica, tem 180 deputados fechados com Bolsonaro e, segundo a Folha de S. Paulo, com o ideário liberal de Paulo Guedes.
Com as bancadas dos outros dois BB, Bala e Boi (militares e produtores rurais), já tem maioria. E ainda vem o PMDB, como sempre, atrás.
Tudo indica um rolo compressor de Bolsonaro para aprovar o que for preciso. São 150 de oposição, em que se incluem o PSDB e outros moderados a fim de ajudar. Só devem dar trabalho de verdade os 66 somados do PT e do Psol.
Restarão 447 para fazer a festa. O namoro do governo com a sociedade, nos seus primeiros 100 dias, parece garantido.
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