208 jornalistas da Folha cometeram o escândalo de se opor à publicação de ideia divergente sobre racismo negro e de se igualar aos canceladores de rede social
Em longo artigo quase ensaio na Folha de S. Paulo de domingo, o filósofo baiano Antonio Risério empilhou uma penca de exemplos de racismo por parte de negros contra brancos, asiáticos e judeus nos EUA.
Entre outros, boicotes a comerciantes coreanos em bairros pobres, protestos do movimento Nação do Islã contra israelenses, ataques sob gritos de “vamos matar todos os brancos” no metrô e a um grupo de velhos brancos do Brooklyn, quando um dos manifestantes gritou:
“Fizemos um acordo entre nós de não roubar mulheres pretas. Só pegaríamos mulheres brancas. Foi um pacto que todos fizemos. Só gente branca.”
Na prova mais horrorizante de que os indícios estão se firmando como movimento e se institucionalizando como cultura e pretensão de Ciência, citou a tese de Yusra Khogali, acadêmica de origem sudanesa, para quem o branco é um defeito genético do negro:
” A branquitude não é humana. De fato, a pele branca é sub-humana. Isto é fato. As pessoas brancas possuem uma alta concentração de inibidores de enzima que suprimem a produção de melanina, indispensável a uma estrutura óssea sólida, à inteligência, à visão etc.”
Risério ressalva naturalmente que “todo mundo sabe que existe racismo branco antipreto”, mas ninguém quer saber do preto anti antibranco, tabu imposto pela “ordem-unida ideológica da universidade e da mídia norte-americanas”.
Seu ponto é a resistência da grande mídia liberal americana em tratar os casos como crimes de motivação racista. Cita o da jovem currada por adolescentes negros, que também fuzilaram seu namorado, tratado em nota de rodapé pelos grandes jornais.
— Se os papéis fossem invertidos, uma gangue de jovens brancos currando uma mocinha preta e assassinando um jovem negro, o assunto seria explorando amplamente e em mais de uma reportagem.
Como se o universo midiático corresse a seu socorro para comprová-lo como melhor exemplo da cultura da censura e do cancelamento, artigo e autor foram massacrados pela unanimidade dos sites e canais de esquerda, como era de se esperar, e por alguns jornalistas do próprio jornal, de concepções de mundo semelhantes.
Tão assustador porém quanto os ataques e a leniência da grande mídia liberal expostas no artigo, foi um escandaloso abaixo assinado contra a sua publicação pelo último grupo de pessoas do mundo que poderia se opor à expressão de uma ideia contrária: os jornalistas.
Sim, jornalistas. Nada menos que 208 deles escreveram que a publicação contribui para a manutenção do racismo estrutural “ao dar espaço e credibilidade a discursos que minimizam sua importância”.
A certa altura, cometem a escabrosa desonestidade de comparar a abordagem de Risério a algo semelhante a dar espaço a defensores da ditadura, do terraplanismo e do Holocausto.
“A Folha não costuma publicar conteúdos que relativizam o Holocausto, nem dá voz a apologistas da ditadura, terraplanistas e representantes do movimento antivacina.”
Na matéria em que relatou muito bem o imbroglio e alinhavou as manifestações a favor (sim, felizmente, houve vozes respeitáveis do jornalismo a favor) e contra, o diretor de Redação Sérgio Dávila coloca os rapazes no seu devido lugar.
Ressalva o direito à liberdade de expressão deles, como já ocorreu em outros momentos do jornal, mas também o quanto afrontaram os princípios básicos da profissão, contidos no seu manual: erraram, foram parciais e acusaram sem fundamento.
Repetiram de fato o grande problema de toda onda de ataques ao filósofo, que tediosamente repete o que vem sendo padrão na cultura de cancelamento: ataques ao autor sem em nenhum momento contradizer os argumentos.
Nem uma palavra, uma só, para contestar os vários caos exemplificados no artigo ou o que está escrito em obras como a da acadêmica sudanesa, que inverte grosseiramente conceitos pseudocientíficos do século 19, quando a ideia de que negros eram uma raça inferior justificou o colonialismo, como está no excelente Teorias Cínicas, que indiquei aqui.
É o tipo mais cafajeste de censura, na medida em que encobre a ignorância ou a preguiça do argumento com o ataque desonroso ao autor, sem sequer dar-se ao mínimo trabalho de buscar suas credenciais.
Em que o objetivo não confessado, de fato, é censurar, calar à força e da forma mais covarde, a voz divergente.
Antonio Risério não é caso apenas de voz divergente, mas científica. É estudioso dos movimentos negros no Brasil e das deturpações do movimento identitário com provas de pesquisa acadêmica e não achismos. Seu livro “As Sinhás Pretas da Bahia” investiga o caso das negras que progrediram na vida e contravam escravas.
Pesquisando mais um pouquinho, poderiam descobrir que se trata de alguém em tese afinado com as questões de justiça social em que o movimento se baseia. É um homem de esquerda, preso pela ditadura militar, redator de textos para as campanhas de Lula como funcionário de Duda Mendonça, assessor do Ministério da Cultura sob a gestão de Gilberto Gil.
Em polêmicas recentes que não comprou porque quis, tem demonstrado com base em dados reais e não proselitismo de abaixo assinado que faz cobranças sem noção de injustiças congeladas há séculos. Como querer culpar uma criança negra que nasce na favela hoje pela escravidão perpretada por um branco de 1800.
Sua tese óbvia aqui é que racismo, qualquer ele, de qualquer origem, deve ser combatido. Assim como se quer que brancos flagrados em racismo sejam presos e condenados exemplarmente, pele Judiciário e pela imprensa, é o mínimo que se pede quando é cometido por negros, mulheres ou gays. A qualquer hora.
É um estudioso corajoso contra a militância identitária que está destruindo as áreas de Ciências Sociais das universidades. Que vem substituindo a pesquisa, a dúvida científica e a prova com base em dados da realidade por proselitismo, como está sobejamente comprovado no, insisto, Teorias Cínicas.
Jornalistas não têm a obrigação de serem tão profundos. Mas é escandalosamente lamentável que estejam aprendendo o pior da academia que já vem corroendo há bom tempo a mídia liberal a indústria cultural: substituir a investigação e o argumento fundamentado por discurso ideológico.
Deveriam ter elogiado o autor e o jornal pela coragem da publicação e abertura sem preconceito ao debate. Não o contrário.
>Publicado no Estado de Minas, em 20/1/2022
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