O Jornal do Brasil foi o mais liberal e mais influente jornal do país, na segunda metade do século XX. Foi escola de toda a geração que viria prestar serviços nos outros grandes veículos de comunicação.
Nesta semana, se noticiou que encerrou pela segunda vez sua circulação impressa, que não passava de 3 mil exemplares diários. O proprietário Omar Peres, de uma linha de outros que ajudaram a afundá-lo desde que o tiraram das mãos da Condessa Pereira Carneiro, disse que ficara insustentável como negócio.
Na mesma semana, à guisa de fazer propaganda em cima de uma entrevista não tão exclusiva com a deputada mais votada do país, Janaína Paschoal, a revista Crusoé informou que já havia atingido 70 mil assinaturas, apenas dez meses depois de ter sido criada.
O crescimento exponencial veio na linha inversa das grandes que dominaram o cenário jornalístico das últimas décadas. Nesses mesmos dez meses, soube-se que a Época também suspendeu sua edição impressa e que a Veja perdera 60% de circulação (de 1,1 milhão para 400 mil), mantida até então inflada por manobras contábeis.
Mortas no impresso, viram algum crescimento em suas edições digitais, mas nada comparado ao avanço da Crusoé. Não por efeito da gravidade que ocupa espaço no vácuo, mas por estratégias mais afinadas com os novos tempos.
Primeiro, no que diz respeito ao negócio e sua gestão empresarial. Como O Antagonista, trabalha com equipe que se conta nos dedos contra o batalhão das empresas jornalísticas que ainda compram papel e tinta.
Segundo, no que se refere a seu jornalismo, que leva em conta as novas afinidades do novo leitor — distraído, volúvel e engajado.
Leitor da era digital
O novo jornalismo que a Crusoé concebe, pratica e prega é o mesmo do site que lhe deu origem, O Antagonista, de foco no essencial, notas curtas com informação exclusiva dos bastidores políticos e, sobretudo, engajamento.
É o contrário do que faz a maioria da grande imprensa, jornais principalmente, obrigada à salada de assuntos, a reportagens de fôlego e à tradição de imparcialidade.
Essa, o grande nó que as distancia, Crusoé e Grande Imprensa. O novo leitor quer afinidade absoluta, deleta quem diverge de sua opinião e tende a tomar a imparcialidade — o ouvir o outro lado — como uma traição.
Não que os grandes jornais, impressos e televisivos, sejam totalmente imparciais. Mas a tolerância por ouvir o lado do outro anda cada vez mais baixa.
Não que Crusoé seja parcial. Por um conjunção de astúcia e sorte que deu no sucesso de O Antagonista, aprendeu que esse leitor quer alinhamento com ele, sem necessariamente mentir e camuflar o que não lhe interessa.
Escrevi aqui, em Crusoe tenta ser ilha com os conflitos de O Antagonista, que o grande desafio da revista seria vencer as afinidades políticas e empresariais do site que lhe deu origem, para não naufragar na parcialidade.
Engajamento jornalístico
Aliado descarado de primeira à última hora dos procuradores da Lava Jato, o site sempre teve e transporia para a revista sua boa vontade um tanto excessiva com essas fontes. Sócio da consultoria financeira Empiricus, que vende produtos digitais de aconselhamento, propagava como notícia certos conselhos com cheiro de charlatanismo.
(No momento em que escrevo, uma funcionária da empresa, Bettina Rudolph, dá entrevista ao Morning Show da Jovem Pan para explicar o vídeo polêmico em que disse ter acumulado mais de R$ 1 milhão em três anos, tendo 22, e amenizar os estragos de imagem que levou a empresa a ter que prestar contas ao Procon de São Paulo e ao conselho de regulamentação de propaganda (Conar) sobre propaganda enganosa)
As duas coisas mudaram. As escorregadas dos procuradores ganharam algum espaço na mesma proporção em que os anúncios milagrosos da Empiricus sumiram. Persiste porém o que lhe deu e dá sustentação, o engajamento com o que se entende como espírito de seus leitores.
Que tem a ver, hoje, com a torcia nacional pelo governo Bolsonaro.
Tanto a revista quanto o site são engajados na defesa do governo, da mesma forma que foram da Lava Jato. Com menos militância, não desprezando o noticiário adverso ao governo, mas não deixando dúvidas de que lado está.
O novo jornalismo bem sucedido, que os sites dos grandes não sabem ou não podem acompanhar, se assenta num equilíbrio delicado entre ser engajado sem deixar de ser honesto. Contando que o leitor vá entender suas razões quando tiver que dar ouvido ao adversário. Como vem entendendo.
Como já escrevi aqui também, não se trata mais de “ouvir o outro lado”, essa tradição que os grandes ostentam como orgulho, desde o outro novo jornalismo, o new-journalism tentou fazer jornalismo literário e também ficou velho.
Virou sinal de comodismo e covardia. Muitas vezes, prova visível para o novo leitor de que alguma coisa está errada.
[…] Crusoé, como já escrevi aqui, saltou para 70 milhões de assinaturas, em menos de dez meses de […]