Entenda como os 12 passos da jornada do herói de mitos como Jesus Cristo influenciou a saga de Luke em Star Wars e a arte do roteiro.
Você aprendeu aqui no site que a forma de contar sua história, a pessoal ou a que você está escrevendo, será tanto mais envolvente se você considerar os passos e os pontos de virada da jornada do herói.
Aquela revelada em 1949 por Joseph Campbell em O Herói de Mil Faces, adaptada para 12 passos pelo roteirista e executivo da Disney, Christopher Vogler, com grande impacto sobre os filmes e a cultura de massa.
A saga que o antropólogo americano percebeu nos grandes mitos clássicos — Jesus, Maomé, Buda ou Prometeu — deu base à dos heróis clássicos do cinema, como o Luke Skywalker de Star Wars, marco inaugural dessa virada.
Aprendeu como que esse rito de passagem e seus pontos de virada em busca da experiência têm a ver com sua vida, seus projetos e o poder desse modelo de roteiro para impactá-lo.
Nela, sem que você perceba de forma consciente, mas está em toda grande história, o herói:
- está tranquilo em seu mundo,
- recebe um chamado à aventura para tirá-lo desse mundo,
- resiste,
- é instigado por um mentor,
- sai desse mundo,
- faz amigos e inimigos, enfrenta provações,
- vence algumas provações e se aproxima do maior desafio,
- enfrenta e atinge seu maior objetivo,
- consegue uma recompensa pela vitória,
- começa a fazer o caminho de volta, mas sente que a vitória não está completa,
- enfrenta novo desafio, em que põe à prova tudo o que aprendeu,
- volta para seu mundo com sua recompensa.
>>> Leia em O que sua história têm em comum com a jornada e os pontos de virada dos heróis
Aqui você verá como isso fica claro nesses dois fenômenos que impactaram profundamente a história da humanidade: Jesus e Luke Skywalker.
A jornada de Jesus Cristo
Considero a divisão de Vogler, adaptada de Campbell, que George Lucas inaugurou em Star Wars:
1. O mundo comum, o herói em seu cenário, sua zona de conforto:
Jesus era um carpinteiro que vivia tranquilo em seu povoado, com o pai da mesma profissão, a mãe e os amigos. De vez quando ia ao templo conversar com os sacerdotes. Já se sabe que é predestinado a um papel na Terra, em nome do seu pai no Céu, para o qual é preciso que uma alguma coisa aconteça para tirá-lo desse mundo.
2. O chamado à aventura, alguma coisa acontece que vai provocá-lo a sair de seu mundo, sua zona de conforto:
Nas bodas de Canaã, falta vinho e a mãe Maria lhe pede para fazer um milagre. Ele e ela sabem que, se fizer, se confirmará publicamente o seu papel e ele terá que deixar o mundo pequeno e comum em que vivem.
3. Recusa ao chamado, em que o herói resiste a aceitar a missão porque sabe que ela inclui um ruptura sem volta:
Jesus resiste aos apelos da mãe e ao milagre de transformar água em vinho, consciente de que, feito, não terá mais volta. “Mulher, ainda não é a minha hora.”
4. Encontro com o mentor, em que encontra uma influência e um desastre importantes o empurram para a ruptura:
João é o mentor que o anuncia como alguém maior do que ele. Pede que o batize, mas ele de novo resiste. É batizado por João e enfrenta as tentações do Diabo nos 40 dias de jejum no deserto.
5. Cruzamento do primeiro portal, em que enfim deixa o mundo comum:
Volta e começa seu ministério. Já não é mais do mundo dos homens comuns e já não pertence mais à sua comunidade. Precisa sair e cumprir seu destino.
6. A barriga da baleia, em que enfrenta testes provações, faz aliados e inimigos, conhece o novo mundo:
Faz os primeiros milagres, dá visão a um homem, faz andar outro. Defende perseguidos e prega contra injustiças. Atrai apóstolos e atiça a ira dos sacerdotes do templo. Aprende as regras desse novo mundo.
7. A aproximação – O herói tem êxitos durante as provações
Entrada triunfal em Jerusalém, onde enfrentará os mercadores do tempo e atiçará a revolta dos sacerdotes, que o levarão a julgamento perante Pôncio Pilatos.
8. Provação difícil ou traumática – A maior crise da aventura, de vida ou morte.
É julgado e condenado à morte. Enfrenta a via crúcis, que, por sinal, também tem 12 passos.
9. Recompensa – O herói enfrentou a morte, se sobrepõe ao seu medo e agora ganha uma recompensa (o elixir).
Conseguiu seu maior objetivo de, segundo as escrituras, ser morto na cruz para servir de exemplo e salvar a humanidade.
10. O Caminho de Volta – O herói deve voltar para o mundo comum, mas algo o impede.
Está pronto para voltar para a casa do Pai, de onde teria vindo, mas antes precisa encontrar os apóstolos que vão semear sua verdade ao mundo.
11. Ressurreição do Herói – Outro teste no qual o herói enfrenta a morte, e deve usar tudo que foi aprendido.
Ressuscita literalmente e tem encontros com aliados fiéis, Simão, Maria Madalena e os apóstolos, aos quais mostra suas chagas e comunica sua mensagem.
12. Regresso com o Elixir – O herói volta para casa com o “elixir”, e o usa para ajudar todos no mundo comum.
Sob enfim aos céus, em direção a casa do Pai, renovado, recompensado pelo esforço e consciente do dever cumprido.
A Jornada de Luke Skywalker
1. O mundo comum, o herói em seu cenário, sua zona de conforto:
Seu mundo é claramente o planeta Tatooine, onde vive na paz possível com o tio fazendeiro depois da morte de seu pai, num cenário de guerra. A fuga espetacular de dois androides sob comando da princesa Leia mostra logo no início que o pano de fundo é uma rebelião liderada por ela contra a ditadura da Estrela da Morte do jedi sombrio Darth Vader, que teria usurpado o trono de seu pai.
2. O chamado à aventura, alguma coisa acontece que vai provocá-lo a sair de seu mundo, sua zona de conforto:
Os dois androides caem e são presos em seu planeta, comprados por seu tio para ajudar nos serviços na fazenda. Ele sonha em sair da fazenda para a Academia de Jedis, mas descobre em um dos androides, o R2, parte de uma mensagem de Leia que mudará seu destino: ela pede ajuda Obi-Wan Kenobi, um velho mestre jedi e amigo de seu pai, que teria condições de salvá-la e enfrentar a força sombria.
3. Recusa ao chamado, em que o herói resiste a aceitar a missão porque sabe que ela inclui um ruptura sem volta:
Ele se recusa a ajudar na procura do jedi, alegando que tem deveres na fazenda do tio. Mas acaba pressionado pelo próprio R2, que vai sozinho e ele precisa recuperá-lo.
4. Encontro com o mentor, em que encontra uma influência importante que o empurra para a ruptura:
Obi-Wan Kenobi é quem vai influenciá-lo em sua ruptura e sua jornada. Acessa a mensagem completa de Leia no R2D2, faz um resumo da tomada do Império por Lord Vader, diz que ele matara seu pai e o instiga a ajudá-lo a levar a mensagem até Alderann, o planeta do pai de Leia. “Estou velho par isso.” De novo, ele recusa.
5. Cruzamento do primeiro portal, em que enfim deixa o mundo comum:
Ele ainda se recusa, mas muda de ideia quando volta e vê que seus tios foram mortos e a fazenda destruída pela tropa de Vader. Não tem mais o que fazer ali e sua única opção é seguir o mestre.
6. A barriga da baleia, em que faz aliados e inimigos, faz testes e provações, conhece o novo mundo:
Eles contratam o contrabandista Han Solo e seu co-piloto, a criatura esquisita Chewbacca, que os levarão a Aderaan. Enfrentam perseguições e contratempos contra a tropa de Strophomies até a nave em forma de planeta de Vader, para onde são atraídos após a destruição de Alderaan.
7. Aproximação – O herói tem êxitos durante as provações
Há uma sequência de vitórias contra os strophomies dentro da nave até o resgate de princesa.
8. Provação difícil ou traumática – A maior crise da aventura, de vida ou morte.
Estão literalmente no fundo do poço, quando se refugiam num depósito de carcaças que vai se fechando contra eles e, aparentemente, não tem saída.
9. Recompensa – O herói enfrentou a morte, se sobrepõe ao seu medo e agora ganha uma recompensa (o elixir).
De dentro do depósito, à beira da morte, ele consegue contactar o androide, escapar com vida e fugir.
10. O Caminho de Volta – O herói deve voltar para o mundo comum, mas algo o impede.
Juntos na nave de Han solo em fuga, a guerra parece ter acabado, mas Leia diz que só conseguiram sair porque a tropa de Vader deixou. Fica claro que não há salvação para o mundo se não voltarem e destruírem a Estação Bélica.
11. Ressurreição do Herói – Outro teste no qual o herói enfrenta a morte, e deve usar tudo que foi aprendido.
Novo ataque antes do dever cumprido, só Luke tem mira para acertar o ponto central que explodirá a Estação. Recebe a ajuda de Han Solo no momento crucial.
12. Regresso com o Elixir – O herói volta para casa com o “elixir”, e o usa para ajudar todos no mundo comum.
Vitorioso afinal no segundo teste, está estabelecida a paz no reino. Ao lado de Han, é condecorado por Leia e incorporado ao novo mundo, à nova ordem.
É muito curioso que ambos os heróis sejam movidos por uma Força que está além deles e guia seus passos.
A ser consciente, impressiona que George Lucas tenha absorvido e utilizado a origem divina de Jesus, dos mitos, para acentuar a predestinação de seu Luke Skywalker.
Voltar para a casa, determinante em toda grande história, tem a ver com o retorno do herói a seu centro, mas renovado, maior do que saiu.
Não quer dizer que Luke voltaria literalmente à fazenda do seu tio e seu mundo tranquilo, mas à nova ordem de paz que almejava. Ela foi conseguida.
Os passos de Campbell/Vloger viriam a ser consistência ao que intuíra Syd Field, no seu Manual do Roteiro de 1979, que impactou a arte do roteiro com a mesma força.
Com base no padrão que percebeu em 40 dos melhores de 2 mil filmes que viu, estabeleceu a estrutura dos pontos de virada na sua jornada do herói, a ponto de cronometrá-los com precisão.
São dois Pontos de Virada principais, de saída e retorno, aos 25 e 75 minutos de um filme de 100, ligando três capítulos como em Campbell: Apresentação, Confrontação e Resolução.
>>> Veja no artigo O ponto de virada em em três roteiros vencedores do Oscar
A força dos efeitos
Esse primeiro Star Wars, depois batizado Uma Nova Esperança e útero de sequências e pré-sequencias de sucesso igualmente retumbante, não é nem de longe o melhor da saga.
George Lucas, o gênio de efeitos especiais de Steven Spielberg, escreveu de próprio punho um roteiro de diálogos pobremente expositivos e personagens um tanto mal costurados, mas de assombrosa eficiência pela simplicidade e universalidade.
A do herói instado a romper com seu mundo, que resiste, sai, enfrenta obstáculos, vence uma vez e quer voltar, mas se torna refém de uma missão que se tornou maior do que ele, da qual só voltará depois de resolvê-la, mal ou bem, mas sempre mais sábio.
Seus efeitos especiais, dos quais era o senhor mestre jedi indiscutível da época, teve grande e talvez o maior peso da sensação provocada pelo filme.
A plateia ainda não havia sido remetida a um mundo tão estranho, mágico e em tese possível com base no que se conhecia das potencialidades tecnológicas: androides inteligentes, teletransporte, aplicações mortais do laser.
Contribuiu também o espírito da época. Estava-se pouco depois da chegada do homem à lua e num clima que discussão viva sobre a possibilidade de vida em outros planetas.
Era uma possibilidade ou um desejo insconsciente tão vívido que produziria outros campeões de bilheteria a respeito, como Contatos Imediatos de Terceiro Grau e ET, não por acaso da mesma dupla do barulho, Spielberg e Lucas.
Mas não se desconsidere os 12 passos do monomito de Campbell, adotada por Lucas e adaptada, proposta e utilizada por Vogler em filmes da Disney, como O Rei Leão e A Pequena Sereia, nos anos 90.
É a saga de Cristo, de Luke, de todos nós, do começo ao fim de nossa jornada, seja a de uma vida inteira, seja a de projetos ou campanhas em que mergulhemos de cabeça.
Como mostro no artigo O que a sua história tem a ver com a jornada e os pontos de virada dos heróis.
Você verá como que, tendo afetado o fundo de nossa psiquê, a saga de Luke, como a de Cristo, fala mais de nós mesmos e pode ter tido o maior peso na paixão que provocou e ainda provoca.
>>> Veja detalhes da jornada em Campbell e dividida em 12 passos por Vogler no artigo O dia em que a Jornada do Herói encontrou o Ponto de Virada
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